Engajar-se não exige estar em grandes instituições, mas estar atento às desigualdades ao redor e disposto a agir coletivamente.
A Amazônia é palco de grandes disputas: ambientais, sociais e políticas. Mas também é território de resistência, onde nascem iniciativas que unem ciência, comunicação e incidência política para defender os direitos humanos e socioambientais. Entre essas iniciativas está o Aruanã Instituto Pan Amazônico, fundado e conduzido por jovens da região que transformam sua vivência em força coletiva de mobilização.
Nesta entrevista, conversamos com Ananda Ridart, pesquisadora, jornalista e militante de Belém do Pará, selecionada pelo Ecoar, edital que promoveu uma série de atividades de incidência política prática em Genebra, durante a 60ª sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU. Ela compartilha sua trajetória, os desafios de atuar pela justiça socioambiental e climática e as perspectivas de levar a Amazônia para o debate internacional de direitos humanos.
IDDH: Pra começar, quem é você e como surgiu seu caminho até a criação do Aruanã Instituto Pan Amazônico?
Ananda: Tenho 30 anos, sou de Belém do Pará e atuo em movimentos sociais desde a adolescência. Cresci na periferia, em escola pública, sempre em contato com pautas políticas e sociais, minha mãe participava do MST e eu ia desde cedo a passeatas e protestos. Fui muito impactada por casos emblemáticos na Amazônia, como o assassinato da Irmã Dorothy e o massacre de Eldorado dos Carajás, o que me aproximou da defesa do meio ambiente e dos direitos humanos. Estudei Ciências Sociais, Jornalismo e hoje faço doutorado em Ciência Política. Passei por movimentos como Movimento pela Soberania Nacional da Mineração (MAM), Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), dentre outros. Em 2023, junto a amigos, fundamos o Aruanã para unir pesquisa, comunicação e incidência política em defesa da Amazônia.
IDDH: E o jornalismo, como entrou na sua trajetória e como se conecta com o trabalho que você realiza hoje?
Ananda: Foi quase por acaso. Já cursava Ciências Sociais quando consegui bolsa em Jornalismo. Gostava de escrever e vi como uma oportunidade. Ciências Sociais me deu base de pesquisa, e o Jornalismo me trouxe prática de mercado, desenvoltura e ferramentas de comunicação. Isso ampliou minha atuação, tanto em empresas quanto em organizações sociais. Hoje uso essas habilidades na defesa de direitos humanos e na incidência política.
IDDH: O que despertou em você o interesse por justiça socioambiental, climática e, de forma mais ampla, pelos direitos humanos?
Ananda: Minha vivência. Cresci em um bairro periférico de Belém, muito marcado por problemas ambientais, como enchentes. Ao mesmo tempo, acompanhava crimes e violações contra defensores ambientais na Amazônia. Vi de perto como desigualdade social e degradação ambiental andam juntas. Para mim, lutar por um meio ambiente saudável é também lutar por direitos humanos básicos.
IDDH: O Aruanã tem um nome forte e cheio de significados. De onde ele vem?
Ananda: Aruanã é um peixe amazônico considerado sagrado por algumas comunidades indígenas, símbolo de resistência e proteção. Ele salta da água para se alimentar e, segundo uma lenda, ajudou a proteger um povo contra invasores. Gostamos dessa imagem: algo milenar, versátil e guardião da floresta.
IDDH: E quais são os principais eixos de atuação da organização?
Ananda: Pesquisa, incidência e comunicação. Produzimos conhecimento científico e o devolvemos à sociedade como subsídio para políticas públicas. Nossa força está no fato de sermos da Amazônia e conhecermos o território. Queremos transformar esse conhecimento em impacto direto, articulando campanhas e garantindo direitos humanos e sociais da população local.
IDDH: Como vocês constroem articulações em rede e quais impactos isso traz para as ações de incidência?
Ananda: Buscamos alianças com comunidades locais (ribeirinhas, indígenas), com organizações da sociedade civil, universidades e setor público. Transformamos diagnósticos em relatórios e propostas para secretarias e assembleias legislativas, sempre defendendo políticas públicas que considerem as especificidades da Amazônia. Um exemplo é o urbanismo: modelos de outras regiões não funcionam aqui e podem até ser prejudiciais. É preciso construir soluções a partir do território.
IDDH: O que motivou a participação do Aruanã no Ecoar e de que forma esse espaço fortalece a luta socioambiental?
Ananda: Já vínhamos atuando no Congresso com dados sobre mudanças climáticas e percebemos a necessidade de internacionalizar nossa pauta. A Amazônia é central no debate global, não só climático, mas de justiça social e econômica. O Ecoar foi a oportunidade de levar nossas demandas à ONU e aprender a dialogar nesse espaço. Hoje, por exemplo, temos pesquisas sobre segurança alimentar na Amazônia, já que a região, mesmo sendo grande produtora, concentra alguns dos estados com maior insegurança alimentar do país. Queremos transformar essa realidade em políticas públicas.
IDDH: Quais são as perspectivas de levar as experiências locais do Aruanã para espaços internacionais, como fóruns da ONU?
Ananda: Internacionalizar é fundamental. Não se trata apenas de denunciar violações, mas de disputar sentidos: o que é transição justa, quem pode falar de clima e quem deve ser sujeito das soluções. Levar a Amazônia a esses espaços é ampliar a visibilidade das violações e acessar redes de solidariedade que podem proteger e fortalecer nossa luta.
IDDH: Que mensagem você deixaria para quem está começando a se engajar na pauta de direitos humanos e justiça climática?
Ananda: Comece pelo seu território. Engajar-se não exige estar em grandes instituições, mas estar atento às desigualdades ao redor e disposto a agir coletivamente. Para quem vem da Amazônia, ocupar espaços de decisão é um ato político. Nossa presença já confronta a lógica de quem fala por nós. É preciso coragem para denunciar, propor e abrir caminho para quem virá depois.