Brasil escolheu não aderir ao projeto para reconhecer de forma internacional o Direito ao Meio Ambiente seguro, limpo e sustentável. Confira a íntegra da Nota Pública, abaixo.
Sociedade Civil Brasileira Repudia a Não Adesão do Brasil à Declaração sobre o Direito ao Meio-Ambiente no Conselho de Direitos Humanos da ONU
[English version below]
As organizações da sociedade civil que subscrevem a presente nota vêm demonstrar o repúdio à não adesão do Estado brasileiro à declaração conjunta de 63 Estados, com vistas a reconhecer o direito a um meio ambiente sustentável com um direito humano no âmbito das Nações Unidas, a qual foi apresentada durante o Debate Geral do Item 3 da presente 46a sessão do Conselho dos Direitos Humanos das Nações Unidas.
A declaração conjunta reconhece que, desde a proposição das resoluções sobre o meio ambiente e direitos humanos, em 2011, foi gerado um consenso global entre os Estados de que é chegada a hora de se reconhecer o direito de todos a um meio ambiente limpo, saudável, seguro e sustentável, levando aos Estados a adotarem uma resolução na Assembléia Geral das Nações Unidas, definindo formalmente o direito ao meio ambiente como um direito humano. Tal iniciativa atendeu ao chamado do Relator das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Direitos Humanos, em 2020.
O Brasil, membro reeleito do Conselho de Direitos Humanos em 2019, tem o dever de promover os direitos humanos ao seu mais alto padrão, o que inclui colaborar com uma construção ativa do direito internacional dos direitos humanos, e que vinha sendo uma característica fundamental da atuação da diplomacia brasileira até recentemente.
Contudo, o atual governo do Brasil, lamentavelmente age em movimento retrógrado e se omite de comprometer-se com uma agenda tão cara para o país ao não aderir a esta importante declaração. Logo neste momento em que o tema ambiental no Brasil tem sido foco de contundentes críticas em nível internacional, esta postura do governo brasileiro mostra sua leniência com a destruição e o não respeito ao meio ambiente como direito fundamental de todos e todas.
A Constituição do Brasil de 1988 (Art. 225) é uma das poucas no mundo que reconhece o direito ao meio ambiente, como um direito individual, difuso, coletivo e transindividual. A legislação ambiental brasileira, em que pese os frequentes ataques contra ela, é uma das mais progressivas do mundo. Sendo membro do Conselho de Direitos Humanos, e tendo um sólido texto constitucional sobre a matéria, o Estado brasileiro teria o dever de, não só aderir à declaração, mas também de fazer aportes que a fortalecessem, de acordo com as suas próprias disposições constitucionais e legais, promovendo assim um direito internacional dos direitos humanos efetivo e moderno.
De fato, a atuação externa do Brasil vem alinhando-se a uma política neo-autoritária global de desmonte dos direitos humanos e do multilateralismo e com isso vai perdendo liderança e relevância na diplomacia ambiental global. De líder da Convenção Rio 92, passou a ser o único obstrutor das negociações da Convenção sobre a Diversidade Biológica em 2020, em uma posição de pária ambiental.
No plano interno, o cumprimento do Artigo 225 da Constituição e da legislação ambiental tem sido marcado por um verdadeiro desmonte proposital, favorecendo práticas agroindustriais poluidoras, insustentáveis e que levam violência e desrespeito aos direitos dos povos indígenas e comunidades tradicionais, com efeito negativo para toda a sociedade e para as futuras gerações.
No plano interno, vários retrocessos comprometeram gravemente a governança ambiental do Brasil. Os retrocessos incluem o Decreto 9.806/2019, que enfraquece o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA); o Projeto de Lei 2.633/2020 que incentiva a regularização de terras griladas e aumenta o desmatamento, além de paralisar os processos de demarcação de terras indígenas e tradicionais; o Projeto de Lei 191/2020, apresentado pelo governo federal, que libera a mineração em terras indígenas. Somam-se a esses, quase mil projetos de lei promovendo retrocessos ambientais. O crescente papel das Forças Armadas na gestão ambiental na Amazônia representou maior utilização de recursos públicos e menor transparência de gastos, controle social e perda de pessoal especializado, com a exoneração de especialistas em cargos fundamentais, como vem ocorrendo no Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e no Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA). O CONAMA sofreu vários ataques, como a tentativa de revogação das resoluções protegendo os manguezais e restingas, e o enfraquecimento do sistema de gestão de riscos e respostas a desastres naturais. O IBAMA e o ICMBIO sofrem cortes de 4% e 12,8%, respectivamente, nos seus modestos orçamentos, dificultando ainda mais o combate aos incêndios no País. Nos últimos dois anos houve a liberação de 500 novos agrotóxicos, 30% dos quais considerados potencialmente cancerígenos.
A Amazônia registrou em abril de 2020 um aumento de 171% de desmatamento em relação ao mesmo período de 2019, atingindo o maior patamar em mais de uma década, com 11.088 km² de devastação. O Pantanal perdeu 30% de sua área verde em 2020. No Cerrado e no Pampa, a perda de vegetação nativa já atingiu mais de 50% da cobertura original.
A abstenção do Brasil neste importante passo de fortalecimento do meio ambiente como um direito humano, a nível global, soma-se à negligência do País com os compromissos do Acordo de Paris e ao parco monitoramento do cumprimento dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS). O próprio chefe de Estado, Sr. Jair Messias Bolsonaro, menosprezou a gravidade dos incêndios crescentes na Amazônia e no Pantanal durante seu discurso na Assembleia Geral da ONU, em 2020. O Ministro do Meio-Ambiente, em reunião ministerial, propôs aproveitar da distração da mídia com a pandemia da COVID-19 para enfraquecer os padrões ambientais (“passar a boiada”).
Neste contexto, é de extrema preocupação a conclusão do Acordo de Associação entre a União Européia e o Mercosul, sem efetivas salvaguardas ambientais e aos direitos humanos. Tal quadro implica no sério risco de que as commodities exportadas pelo Brasil sejam produtos de desmatamento ilegal, invasão de terras indígenas, quilombolas e tradicionais, comprometimento da água, contaminação por mercúrio de comunidades tradicionais e populações indígenas, e envenenamento por agrotóxico. A atual precariedade na fiscalização ambiental por parte das autoridades brasileiras não garante que suas commodities de exportação sejam livres de violações ao meio ambiente e aos direitos humanos.
Ao lamentarmos os retrocessos em curso no país, em meio ao descontrole generalizado da transmissão da COVID-19, que a cada dia ceifa mais vidas, exortamos à comunidade internacional a pressionar o Brasil para que não retroceda mais ainda na proteção do meio ambiente, e reconheça a importância do direito a um meio ambiente saudável como um direito humano fundamental.
Assinadas:
1. 350.org Brasil
2. ABGLT – Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos
3. ABL-ARticulação Brasileira de Lésbicas
4. ABONG – Associação Brasileira de ONGs
5. APIB – Articulação dos Povos Indígenas do Brasil
6. Articulação para o Monitoramento dos Direitos Humanos no Brasil
7. Assessoria Popular Maria Felipa – Minas Gerais
8. Casa NINJA Amazônia
9. CEDECA Rio de Janeiro
10.Central de Cooperativas Unisol Brasil
11.Centro de Apoio aos Direitos Humanos Valdicio Barbosa dos Santos
12.Centro de Direitos Humanos Dom Máximo Biennes
13.Centro de Promoção da Cidadania e Defesa dos Direitos Humanos Pe Josimo-MA 14.Centro pela Justiça e o Direito Internacional – CEJIL
15.Coletivo LESBIBAHIA
16.Coletivo lgbt da CUT Nacional
17.Coletivo Terra do Bem
18.Collectif Alerte France Brésil / MD18
19.Comissão Pastoral da Terra
20.Comissão Pró-Índio do Acre (CPI-Acre)
21.CONAQ – Coordenação Nacional da Articulação de Quilombos
22.Conselho Indigenista Missionário – CIMI
23.CTI – Centro de Trabalho Indigenista
24.FASE – Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional
25.FIAN Brasil
26.FLD-COMIN-CAPA (Fundação Luterana de Diaconia – Conselho de Missão entre Povos Indígenas e Centro de Apoio e Promoção da Agroecologia)
27.Fórum Grita Baixada (Baixada Fluminense – Rio de Janeiro)
28.Fundação Defesa dos Direitos Humanos Margarida Maria Alves
29.Geledés Instituto da Mulher Negra
30.Grupo: Mulheres Pantaneiras de Cáceres MT.
31.GTP+ Grupo de Trabalhos em Prevenção PositHIVo
32.Idhesca – Instituto de direitos humanos, econômicos, sociais, culturais e ambientais 33.Iepé – Instituto de Pesquisa e Formação Indígena
34.Instituto Cigano do Brasil-ICB
35.Instituto de Desenvolvimento e Direitos Humanos – IDDH
36.Justiça Global
37.MORHAN Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase
38. Movimento LGBT Leões do Norte
40.Movimento Nacional de Direitos Humanos MNDH Brasil
41.Plataforma DHESCA Brasil
42.RCA – Rede de Cooperação Amazônica
43.REDE GTA
44.Rede Para o Constitucionalismo Democrático Latino Americano
45.Rede Sapatà
46.Serviço de Paz – SERPAZ
47.Terra de Direitos
48.UBM – União Brasileira de Mulheres
Brazilian Civil Society Repudiates Brazil’s Non-Adherence to the Declaration on the Right to the Environment at the UN Human Rights Council
The civil society organizations that subscribe to this note hereby demonstrate the repudiation of the Brazilian State’s non-adherence to the joint declaration of 63 States, with a view to recognizing the right to a sustainable environment as a human right at the United Nations, which was presented during the General Debate of Item 3 of the present 46th session of the United Nations Human Rights Council.
The joint declaration recognizes that, since the resolutions on the environment and human rights were proposed in 2011, a global consensus has been generated among States that the time has come to recognize the right of everyone to a clean, healthy , safe and sustainable environment, leading States to adopt a resolution at the United Nations General Assembly, formally defining the right to the environment as a human right. This initiative responded to the call of the United Nations SpecialRapporteur on the Environment and Human Rights in 2020.
Brazil, a re-elected member of the Human Rights Council in 2019, has a duty to promote human rights to the highest possible standards, which includes collaborating with an active construction of international human rights law, which had been a fundamental feature of the Brazilian diplomacy until recently.
However, the current government of Brazil, regrettably acts in a backward movement and refrains from committing itself to such an important agenda for the country by not adhering to this important declaration. Right at this moment, when the environment in Brazil has been the focus of criticism at the international level, this posture of the Brazilian government shows its leniency with the destruction and the non-respect for the environment as a fundamental right of all.
The 1988 Brazilian Constitution (Art. 225) is one of the few in the world that recognizes the right to the environment, as an individual, diffuse, collective and transindividual right. Brazilian environmental legislation, despite the frequent attacks against it, is one of the most progressive in the world. As a member of the Human Rights Council, and having a solid constitutional text on the matter, the Brazilian State has the duty, not only to adhere to the declaration, but also to make contributions that would strengthen it, in accordance with its own constitutional and legal provisions, thus promoting an effective and modern international human rights law.
In fact, Brazil’s foreign has been aligned with a global neo-authoritarian wave of dismantling human rights and multilateralism and, as a result, is losing its leadership and relevance in global environmental diplomacy. From leader of the Rio 92 Convention, Brazil became the only State to obstruct the negotiations on the Convention on Biological Diversity in 2020, in a position of environmental opponent.
At the domestic level, compliance with Article 225 of the Constitution and environmental legislation has been marked by a real deliberate dismantling, favoring pollution, unsustainable agro-industrial practices that lead to violence and disrespect for the rights of indigenous peoples and traditional communities, with a negative effect for all society and for future generations.
Internally, several setbacks have seriously compromised Brazil’s environmental governance. The setbacks include Decree 9.806 / 2019, which weakens the National Environment Council (CONAMA); Bill 2,633 / 2020 that encourages the regularization of illegal lands and increases deforestation, in addition to paralyzing the processes of demarcation of indigenous and traditional lands; the Bill 191/2020, presented by the federal government, authorizes mining on indigenous lands. In addition to these, almost a thousand bills promoting environmental setbacks run in Congress. The growing role of the Armed Forces in environmental management in the Amazon represents a greater use of public resources and less transparency in spending, social control and loss of specialized personnel, with the dismissal of specialists in key positions, as has been happening at the Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversity (ICMBio) and the Brazilian Institute for the Environment and Renewable Natural Resources (IBAMA). CONAMA suffered several attacks, such as the attempt to revoke the resolutions protecting the mangroves and sandbanks, and the weakening of the risk management system and responses to natural disasters. IBAMA and ICMBIO suffer cuts of 4% and 12.8%, respectively, in their modest budgets, making it even more difficult to fight fires in the country. In the last two years, 500 new pesticides have been released, 30% of which are considered potentially carcinogenic.
In April 2020, the Amazon recorded a 171% increase in deforestation compared to the same period in 2019, reaching the highest level in more than a decade, with 11,088 km² of devastation. The Pantanal lost 30% of its green area in 2020. In the Cerrado and Pampa, the loss of native vegetation has already reached more than 50% of the original cover.
Brazil’s abstaining from this important step in strengthening the environment as a human right, globally, adds to the country’s neglect of the Paris Agreement commitments and the precarious monitoring of compliance with the Sustainable Development Goals (SDGs). The Head of State himself, Mr. Jair Messias Bolsonaro, belittled the severity of the growing fires in the Amazon and the Pantanal during his speech at the UN General Assembly in 2020. The Minister of the Environment, at a ministerial meeting, proposed to take advantage of the media distraction with the COVID-19 pandemic to weaken environmental standards (“letting pass the cattle”).
In this context, it is of utmost concern the current negotiations of the Association Agreement between the European Union and the Mercosur, without effective environmental and human rights safeguards. Such a situation implies the serious risk that the commodities exported by Brazil are products of illegal deforestation, invasion of indigenous, quilombola and traditional lands, water quality, mercury contamination of traditional communities and indigenous populations, and poisoning by pesticides. The current precariousness of environmental inspection by the Brazilian authorities does not guarantee that their export commodities are free from violations of the environment and human rights.
As we regret the setbacks taking place in the country, amid the generalized lack of control over the transmission of COVID-19, which each day takes more lives, we urge the international community to pressure Brazil so that it does not step back further in protecting the environment, and recognize the importance of the right to a healthy environment as a fundamental human right.
Signed:
1. 350.org Brasil
2. ABGLT – Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos
3. ABL-ARticulação Brasileira de Lésbicas
4. ABONG – Associação Brasileira de ONGs
5. APIB – Articulação dos Povos Indígenas do Brasil
6. Articulação para o Monitoramento dos Direitos Humanos no Brasil
7. Assessoria Popular Maria Felipa – Minas Gerais
8. Casa NINJA Amazônia
9. CEDECA Rio de Janeiro
10.Central de Cooperativas Unisol Brasil
11.Centro de Apoio aos Direitos Humanos Valdicio Barbosa dos Santos
12.Centro de Direitos Humanos Dom Máximo Biennes
13.Centro de Promoção da Cidadania e Defesa dos Direitos Humanos Pe Josimo-MA 14.Centro pela Justiça e o Direito Internacional – CEJIL
15.Coletivo LESBIBAHIA
16.Coletivo lgbt da CUT Nacional
17.Coletivo Terra do Bem
18.Collectif Alerte France Brésil / MD18
19.Comissão Pastoral da Terra
20.Comissão Pró-Índio do Acre (CPI-Acre)
21.CONAQ – Coordenação Nacional da Articulação de Quilombos
22.Conselho Indigenista Missionário – CIMI
23.CTI – Centro de Trabalho Indigenista
24.FASE – Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional
25.FIAN Brasil
26.FLD-COMIN-CAPA (Fundação Luterana de Diaconia – Conselho de Missão entre Povos Indígenas e Centro de Apoio e Promoção da Agroecologia)
27.Fórum Grita Baixada (Baixada Fluminense – Rio de Janeiro)
28.Fundação Defesa dos Direitos Humanos Margarida Maria Alves
29.Geledés Instituto da Mulher Negra
30.Grupo: Mulheres Pantaneiras de Cáceres MT.
31.GTP+ Grupo de Trabalhos em Prevenção PositHIVo
32.Idhesca – Instituto de direitos humanos, econômicos, sociais, culturais e ambientais 33.Iepé – Instituto de Pesquisa e Formação Indígena
34.Instituto Cigano do Brasil-ICB
35.Instituto de Desenvolvimento e Direitos Humanos – IDDH
36.Justiça Global
37.MORHAN Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase 38.Movimento
39.Movimento LGBT Leões do Norte
40.Movimento Nacional de Direitos Humanos MNDH Brasil
41.Plataforma DHESCA Brasil
42.RCA – Rede de Cooperação Amazônica
43.REDE GTA
44.Rede Para o Constitucionalismo Democrático Latino Americano
45.Rede Sapatà
46.Serviço de Paz – SERPAZ
47.Terra de Direitos
48. UBM – União Brasileira de Mulheres