“Procurem se cercar de pessoas que compartilham dos mesmos ideais, troquem ideias, ouçam as bases e aprendam com quem está no território. A luta é coletiva e só faz sentido se construída de forma conjunta.”
Natural de Cuiabá (MT), Mariana Barboza é advogada e mestra em Direito Ambiental e Sustentabilidade. Desde a graduação, tem dedicado sua trajetória à defesa dos direitos humanos, atuando junto a comunidades tradicionais, povos indígenas e organizações da sociedade civil. Desde 2021, integra a equipe da OPAN – Operação Amazônia Nativa, onde foca na proteção dos direitos de povos e comunidades indígenas em contextos de vulnerabilidade.
Selecionada pelo edital Ecoar — iniciativa que promoveu atividades práticas de incidência política em Genebra, durante a 60ª sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU — Mariana compartilha, nesta entrevista, como construiu sua trajetória, os principais eixos de atuação da OPAN e a importância da incidência internacional para a luta indígena no Brasil.
IDDH: Para começarmos, você pode nos contar um pouco sobre você e como chegou até o trabalho com a OPAN?
Mariana: Tenho 29 anos, sou de Cuiabá e me formei em Direito em 2019. Desde a faculdade, sempre estive envolvida com pautas de direitos humanos, começando em projetos de extensão sobre direito à cidade e orçamento participativo. Mais tarde, durante um estágio na Clínica de Direitos Humanos da UFMT, tive uma experiência transformadora que ampliou minha visão de mundo e sobre o papel do Direito. Depois de formada, comecei a trabalhar com ONGs e a fazer o mestrado em Direito Ambiental e Sustentabilidade. Nesse período, atuei junto a comunidades tradicionais, ribeirinhos, povos pantaneiros e quilombolas, principalmente na região do Pantanal. Em 2021, iniciei meu trabalho na OPAN, com foco na defesa dos direitos de povos e comunidades indígenas, especialmente na análise das ameaças aos seus territórios e na promoção da educação jurídica popular.
IDDH: E o que despertou em você o interesse em atuar com os direitos indígenas e, de forma mais ampla, com os direitos humanos?
Mariana: Eu acredito que qualquer pessoa que se permita conhecer a realidade dos povos indígenas acaba sendo profundamente tocada. Enquanto advogada, entendi que os direitos humanos são uma ferramenta essencial para garantir justiça, bem-estar social e continuidade dos modos de vida desses povos. A história mostra que, há mais de 500 anos, eles sofrem ataques e violações , o que ainda acontece hoje. Aqui em Mato Grosso vemos diariamente tentativas de retirar direitos conquistados, desrespeito à consulta prévia e ameaças aos territórios. Por isso, considero essa uma luta justa e necessária. Os povos são protagonistas, mas advogados populares podem e devem ser aliados, sempre de forma alinhada ao movimento indígena.
IDDH: Quais são os principais eixos de atuação da OPAN e como eles se traduzem no trabalho cotidiano junto aos povos indígenas?
Mariana: A OPAN atua na promoção e defesa dos direitos indígenas, com foco na luta pelos territórios e pela gestão territorial e ambiental. Também acompanha políticas públicas de direitos humanos, meio ambiente e mudanças climáticas que afetam diretamente os povos indígenas. Esse trabalho acontece sempre em diálogo com as comunidades, no chão de aldeia, para compreender as demandas reais e apoiar a construção de soluções. Outro eixo importante é garantir a participação dos povos na formulação de políticas públicas e em espaços de decisão, do nível municipal ao internacional.
IDDH: E como a OPAN trabalha a articulação com redes e alianças? Que impacto isso tem nas ações de incidência?
Mariana: Estar em rede é fundamental. Na luta por direitos humanos, sozinhos não vamos longe. Quanto mais pessoas unidas em uma causa, maior a chance de sermos ouvidos. Por isso, a OPAN participa de alianças, redes e fóruns que fortalecem a incidência coletiva. Esse trabalho conjunto abre portas para espaços que, isoladamente, não alcançaríamos. É uma prioridade institucional da OPAN atuar junto a movimentos sociais, coletivos e fóruns, justamente para ampliar as vozes que precisam ser ouvidas.
IDDH: O que motivou a participação da OPAN no Ecoar e como você acredita que ele pode fortalecer a luta indígena?
Mariana: A participação no Ecoar veio da oportunidade de integrar uma rede com expertise em incidência internacional, algo essencial para fortalecer jovens da sociedade civil. Na OPAN, tenho espaço para propor novas atividades e trabalhar com litigância estratégica, que é justamente a definição de passos claros e objetivos para alcançar resultados na luta pelos direitos. Levar a pauta indígena ao Conselho de Direitos Humanos da ONU é um passo crucial, ainda mais no atual contexto, em que o Marco Temporal foi reconhecido por lei e os povos seguem excluídos de processos de conciliação. Mesmo que seja apenas para dar visibilidade internacional à causa, já é um avanço importante.
IDDH: Quais são as perspectivas de levar as experiências locais para espaços internacionais como a ONU?
Mariana: Vejo duas perspectivas principais. A primeira é comunicar aos tomadores de decisão a urgência da pauta indígena no Brasil. A segunda é mapear os espaços internacionais para que, no futuro próximo, os próprios povos indígenas possam ocupá-los diretamente, denunciando violações e apresentando suas demandas. Minha expectativa é contribuir para abrir esses caminhos e garantir que essa participação seja cada vez mais efetiva.
IDDH: E que mensagem você deixaria para quem está começando a se engajar nessa pauta?
Mariana: Não desistam. Procurem se cercar de pessoas que compartilham dos mesmos ideais, troquem ideias, ouçam as bases e aprendam com quem está no território. A luta é coletiva e só faz sentido se construída de forma conjunta.