“O que me inspira é a resistência e a resiliência do meu povo, que não baixa a cabeça na defesa da terra.”
O Conselho Indígena de Roraima (CIR) é um dos mais antigos e importantes movimentos de defesa dos povos indígenas no Brasil. Sua força vem das bases: são 271 comunidades, de diferentes povos, articuladas em uma rede que atua pela demarcação, proteção e fortalecimento dos direitos constitucionais.
Nesta entrevista, conversamos com Carla Jarraira, liderança jovem do povo Macuxi, que iniciou sua trajetória ainda na adolescência e hoje representa o CIR em diferentes espaços nacionais de decisão. Ela foi selecionada pelo edital Ecoar, que promoveu atividades de incidência política prática em Genebra durante a 60ª sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU.
IDDH: Você pode nos contar um pouco sobre você e como começou sua caminhada dentro do movimento indígena e do CIR?
Carla: É necessário compreender que o Conselho Indígena de Roraima não é apenas uma organização com uma sede. O CIR é cada membro de uma comunidade indígena.
Minha trajetória começou ainda na adolescência, mas foi construída desde muito cedo. Quando criança, eu era observadora: participava de assembleias, e aprendi a entender que o mundo lá fora muitas vezes não estava preparado para acolher a realidade do meu povo.
Aos 14 anos, assumi pela primeira vez a responsabilidade de liderança, coordenando um grupo de jovens. Três anos depois, aos 17, fui eleita a primeira coordenadora regional da juventude da região Raposa, na Terra Indígena Raposa Serra do Sol — um marco não só para mim, mas para a participação da juventude indígena nos espaços de decisão.
Desde então, mantenho uma atuação contínua em defesa dos direitos dos povos indígenas. Atualmente, como membro do Conselho Nacional de Política Indigenista, participo de reuniões, assembleias e representações em diferentes espaços, sempre levando a voz das comunidades indígenas. Minha caminhada é movida pela convicção de que nossa presença nesses espaços é fundamental para fortalecer a luta coletiva, garantir direitos e abrir caminhos para as próximas gerações.
IDDH: O CIR tem uma longa trajetória na defesa dos direitos dos povos indígenas em Roraima. Como essa atuação se organiza no dia a dia?
Carla: A atuação do CIR abrange 35 terras indígenas, em uma extensão de 10 milhões de hectares, com uma população de 100 mil indígenas de 10 povos diferentes. Essa organização se sustenta em 10 conselhos regionais, que formam sua base de atuação.
No dia a dia, o trabalho acontece por meio de reuniões locais, assembleias regionais e encontros estaduais. São nesses espaços que escutamos as prioridades das comunidades e articulamos estratégias de defesa dos direitos indígenas, acompanhamos processos de demarcação, proteção territorial e mobilizamos lideranças em temas como saúde, educação e sustentabilidade.
IDDH: Como o CIR articula sua atuação com outras organizações e redes no Brasil?
Carla: O CIR fortalece sua atuação por meio de alianças institucionais e pela articulação em rede. É base da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), o que garante inserção estratégica na articulação regional amazônica e, consequentemente, na Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB).
Essa rede permite que as demandas dos povos de Roraima sejam projetadas em âmbito regional e nacional, assegurando maior visibilidade e incidência política.
IDDH: De que forma acredita que o Ecoar pode fortalecer a incidência indígena, especialmente no tema da demarcação de terras e proteção territorial?
Carla: O Ecoar pode contribuir na formação de lideranças indígenas sobre mecanismos de proteção, preparando-as para ocupar espaços de decisão e ampliar nossa representatividade. Também pode dar visibilidade às pautas indígenas em instâncias nacionais e internacionais, promovendo campanhas, relatórios e incidência política junto a organismos públicos e multilaterais.
Outra frente importante é o apoio no monitoramento de invasões e atividades ilegais, com ferramentas tecnológicas e editais que permitam às comunidades realizarem vigilância territorial de forma autônoma.
IDDH: Como você enxerga o papel da comunidade internacional na proteção das terras e dos direitos indígenas em Roraima?
Carla: A comunidade internacional pode exercer um papel fundamental, pressionando para que o Estado brasileiro cumpra suas obrigações, denunciando violações e dando visibilidade às nossas lutas. É essencial que o mundo reconheça a importância dos povos indígenas na proteção da terra como fonte de vida do planeta.
IDDH: Ao longo da sua trajetória, o que tem sido mais desafiador e mais inspirador na defesa dos povos indígenas?
Carla: O mais desafiador é enfrentar constantemente a colonialidade do poder, do saber e o patriarcado da sociedade não indígena, onde a voz de uma mulher indígena é sempre posta à prova. O que me inspira é a resistência e a resiliência do meu povo, que não baixa a cabeça na defesa da terra. Já vi lideranças darem a vida para não recuar frente às invasões. Isso me inspira a não ser covarde, mas estratégica.
IDDH: Que mensagem você gostaria de deixar para as futuras gerações indígenas e para a sociedade brasileira sobre a importância dessa luta?
Carla: Essa luta não pode parar. É nossa responsabilidade dar continuidade a esse legado, porque nossos ancestrais deram a vida para que hoje pudéssemos existir e buscar uma vida mais digna. À sociedade brasileira, peço sensibilidade com a nossa causa: a destruição ambiental não atinge apenas os povos indígenas, mas a todos. A luta indígena é também a luta pela preservação da vida, da natureza e do futuro comum.