Incidência Internacional
30/10/2025
Direito à terra: uma luta internacionalista

Durante muito tempo, acreditamos que nossa força estava apenas nas ruas, nas mobilizações. Isso segue sendo fundamental, mas também precisamos usar ferramentas como a advocacy internacional e a litigância estratégica.

O direito à terra é uma das lutas mais históricas e urgentes do Brasil – e segue sendo também um tema central no debate internacional de direitos humanos. Quem conhece isso de perto é Saulo Cordeiro, advogado e militante camponês que cresceu em uma comunidade rural, filho de liderança do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), e que hoje atua no Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no Espírito Santo.

Selecionado pelo edital Ecoar, Saulo participou de uma série de atividades de incidência política prática em Genebra, durante a 60ª sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU. Nesta entrevista para o IDDH, ele fala sobre sua trajetória, os desafios da luta pela reforma agrária, o papel das redes de articulação e as perspectivas de levar a pauta camponesa para os espaços internacionais.

IDDH: Você pode nos contar um pouco sobre você e como chegou ao trabalho do MST?

Saulo: Nasci e cresci em uma comunidade camponesa. Meu pai foi liderança no Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), então desde cedo vivi nesse ambiente de luta pela permanência na terra. Em 2021, já formado em Direito, fui convidado a contribuir com o MST no Espírito Santo, no setor de direitos humanos. Desde então sigo atuando nessa frente, com um olhar jurídico e político, muito feliz de colocar minha formação a serviço da luta que faz parte da minha vida desde a infância.


IDDH: O que despertou seu interesse em atuar com camponeses, com a reforma agrária e, de forma mais ampla, com os direitos humanos?

Saulo: Foi algo natural, porque cresci nesse espaço. Mas o diferencial foi ter conseguido alinhar minha formação em Direito com a vivência camponesa. Para mim, faz toda a diferença atuar no campo em que piso desde que nasci. Sei o que significa ser criança e adolescente nesse ambiente, as dificuldades para estudar, para entrar na universidade, o peso do êxodo rural. Essa experiência me dá legitimidade para lutar pela permanência das famílias no campo e pelo direito à terra.


IDDH: Quais são os principais eixos de atuação do MST e como se refletem no cotidiano dos trabalhadores rurais?

Saulo: A luta central do MST é pela democratização do acesso à terra. Mas o movimento foi incorporando outras pautas contemporâneas, como igualdade de gênero, diversidade sexual, meio ambiente e enfrentamento às mudanças climáticas. Temos setores de produção, saúde, cultura, gênero, LGBT… A agroecologia é um ponto forte, como contraponto às monoculturas e à mineração, que avançam sobre territórios camponeses. Hoje também enfrentamos a ameaça do fascismo, que se expressa em leis e práticas que fragilizam ainda mais os direitos no campo.


IDDH: Como o MST trabalha sua articulação em redes e alianças?

Saulo: Internacionalmente, o MST se articula pela Via Campesina, junto a movimentos camponeses da América Latina e de outros continentes. Nacionalmente, construímos alianças com organizações sociais e políticas. O que tem sido mais novo para nós é a incidência em espaços institucionais, como a ONU e o Conselho de Direitos Humanos. A Declaração dos Direitos Camponeses (UNDROP), aprovada em 2019, abriu esse caminho. Agora estamos entendendo como utilizá-la e como inserir a pauta camponesa nesses espaços formais, sempre em articulação com outras organizações.


IDDH: O que motivou a participação do MST no Ecoar?

Saulo: Justamente a necessidade de conhecer e se apropriar desses espaços. Durante muito tempo, acreditamos que nossa força estava apenas nas ruas, nas mobilizações. Isso segue sendo fundamental, mas também precisamos usar ferramentas como a advocacy internacional e a litigância estratégica. O Ecoar abriu essa porta, mostrando que podemos levar nossas pautas para além do Brasil e dar mais visibilidade às violações que enfrentamos.


IDDH: Quais são as perspectivas de levar as experiências locais para espaços internacionais, como fóruns da ONU?

Saulo: Vejo duas prioridades. A primeira é compreender melhor como esses mecanismos funcionam e como podemos utilizá-los em favor da nossa luta. A segunda é articular alianças, porque a luta camponesa é internacionalista, afinal camponeses do mundo inteiro enfrentam violações semelhantes, ligadas ao imperialismo, à monocultura e à concentração da terra. Hoje, com o avanço de leis cada vez mais desfavoráveis no Brasil, precisamos denunciar e escancarar essas violações em nível internacional.


IDDH: Que mensagem você gostaria de deixar para quem está começando a se engajar nessa pauta?

Saulo: É fundamental conhecer esses espaços, porque ali também se decidem nossos direitos e nossas vidas. O Conselho de Direitos Humanos, por exemplo, é uma das instâncias mais importantes para quem luta nesse campo. Sobre os direitos camponeses, destaco a UNDROP: foi uma conquista histórica, mas que só terá impacto real se for apropriada e implementada nos países. No Brasil, precisamos lutar para que essa declaração se materialize. Ela pode representar avanços enormes para as famílias camponesas e para a reforma agrária.

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Durante muito tempo, acreditamos que nossa força estava apenas nas ruas, nas mobilizações. Isso segue sendo fundamental, mas também precisamos usar ferramentas como a advocacy internacional e a litigância estratégica.

O direito à terra é uma das lutas mais históricas e urgentes do Brasil – e segue sendo também um tema central no debate internacional de direitos humanos. Quem conhece isso de perto é Saulo Cordeiro, advogado e militante camponês que cresceu em uma comunidade rural, filho de liderança do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), e que hoje atua no Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no Espírito Santo.

Selecionado pelo edital Ecoar, Saulo participou de uma série de atividades de incidência política prática em Genebra, durante a 60ª sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU. Nesta entrevista para o IDDH, ele fala sobre sua trajetória, os desafios da luta pela reforma agrária, o papel das redes de articulação e as perspectivas de levar a pauta camponesa para os espaços internacionais.

IDDH: Você pode nos contar um pouco sobre você e como chegou ao trabalho do MST?

Saulo: Nasci e cresci em uma comunidade camponesa. Meu pai foi liderança no Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), então desde cedo vivi nesse ambiente de luta pela permanência na terra. Em 2021, já formado em Direito, fui convidado a contribuir com o MST no Espírito Santo, no setor de direitos humanos. Desde então sigo atuando nessa frente, com um olhar jurídico e político, muito feliz de colocar minha formação a serviço da luta que faz parte da minha vida desde a infância.


IDDH: O que despertou seu interesse em atuar com camponeses, com a reforma agrária e, de forma mais ampla, com os direitos humanos?

Saulo: Foi algo natural, porque cresci nesse espaço. Mas o diferencial foi ter conseguido alinhar minha formação em Direito com a vivência camponesa. Para mim, faz toda a diferença atuar no campo em que piso desde que nasci. Sei o que significa ser criança e adolescente nesse ambiente, as dificuldades para estudar, para entrar na universidade, o peso do êxodo rural. Essa experiência me dá legitimidade para lutar pela permanência das famílias no campo e pelo direito à terra.


IDDH: Quais são os principais eixos de atuação do MST e como se refletem no cotidiano dos trabalhadores rurais?

Saulo: A luta central do MST é pela democratização do acesso à terra. Mas o movimento foi incorporando outras pautas contemporâneas, como igualdade de gênero, diversidade sexual, meio ambiente e enfrentamento às mudanças climáticas. Temos setores de produção, saúde, cultura, gênero, LGBT… A agroecologia é um ponto forte, como contraponto às monoculturas e à mineração, que avançam sobre territórios camponeses. Hoje também enfrentamos a ameaça do fascismo, que se expressa em leis e práticas que fragilizam ainda mais os direitos no campo.


IDDH: Como o MST trabalha sua articulação em redes e alianças?

Saulo: Internacionalmente, o MST se articula pela Via Campesina, junto a movimentos camponeses da América Latina e de outros continentes. Nacionalmente, construímos alianças com organizações sociais e políticas. O que tem sido mais novo para nós é a incidência em espaços institucionais, como a ONU e o Conselho de Direitos Humanos. A Declaração dos Direitos Camponeses (UNDROP), aprovada em 2019, abriu esse caminho. Agora estamos entendendo como utilizá-la e como inserir a pauta camponesa nesses espaços formais, sempre em articulação com outras organizações.


IDDH: O que motivou a participação do MST no Ecoar?

Saulo: Justamente a necessidade de conhecer e se apropriar desses espaços. Durante muito tempo, acreditamos que nossa força estava apenas nas ruas, nas mobilizações. Isso segue sendo fundamental, mas também precisamos usar ferramentas como a advocacy internacional e a litigância estratégica. O Ecoar abriu essa porta, mostrando que podemos levar nossas pautas para além do Brasil e dar mais visibilidade às violações que enfrentamos.


IDDH: Quais são as perspectivas de levar as experiências locais para espaços internacionais, como fóruns da ONU?

Saulo: Vejo duas prioridades. A primeira é compreender melhor como esses mecanismos funcionam e como podemos utilizá-los em favor da nossa luta. A segunda é articular alianças, porque a luta camponesa é internacionalista, afinal camponeses do mundo inteiro enfrentam violações semelhantes, ligadas ao imperialismo, à monocultura e à concentração da terra. Hoje, com o avanço de leis cada vez mais desfavoráveis no Brasil, precisamos denunciar e escancarar essas violações em nível internacional.


IDDH: Que mensagem você gostaria de deixar para quem está começando a se engajar nessa pauta?

Saulo: É fundamental conhecer esses espaços, porque ali também se decidem nossos direitos e nossas vidas. O Conselho de Direitos Humanos, por exemplo, é uma das instâncias mais importantes para quem luta nesse campo. Sobre os direitos camponeses, destaco a UNDROP: foi uma conquista histórica, mas que só terá impacto real se for apropriada e implementada nos países. No Brasil, precisamos lutar para que essa declaração se materialize. Ela pode representar avanços enormes para as famílias camponesas e para a reforma agrária.