Em um contexto de crescente autoritarismo e restrição do espaço cívico, organizações latino-americanas se reuniram em Santiago para traçar estratégias de monitoramento e implementação das recomendações da Revisão Periódica Universal da ONU.
Nos dias 16 e 17 de outubro de 2025, Santiago, Chile, abrigou o encontro do Coletivo EPU América del Sur, coalizão regional de organizações da sociedade civil que se dedicam ao acompanhamento da implementação das recomendações da Revisão Periódica Universal (RPU ou EPU, em espanhol) da ONU.
O evento buscou trocar experiências, articular estratégias e reafirmar o papel da sociedade civil organizada como agente fundamental no monitoramento das recomendações internacionais, num contexto regional marcado por retrocessos em direitos humanos, crescente autoritarismo e ataques às instituições democráticas.
Panorama e tensões
A América Latina vive um tempo de tensões políticas e sociais que desafiam diretamente a proteção dos direitos humanos. A crise democrática, marcada pelo enfraquecimento das instituições e pela desconfiança generalizada nas estruturas de representação, ameaça conquistas históricas.
O espaço cívico, antes considerado relativamente livre, também se estreita rapidamente. A repressão política, as prisões arbitrárias e o aumento das violações contra defensores de direitos humanos, jornalistas e ativistas mostram como a participação social se tornou alvo de ataques sistemáticos. Paralelamente, líderes populistas e discursos autoritários fragilizam a confiança nas instituições e promovem o descrédito da imprensa, do judiciário e de outros pilares democráticos.
O encontro e suas promessas
É nesse contexto que o Coletivo EPU América del Sur se consolida como um espaço de articulação regional em defesa dos direitos humanos. Durante o encontro em Santiago, as organizações participantes compartilharam boas práticas, fortaleceram parcerias com as Instituições Nacionais de Direitos Humanos (INDH) e delinearam estratégias para fortalecer os SIMOREs/NMIRFs – mecanismos responsáveis por assegurar a efetiva implementação dessas recomendações.
Um dos encaminhamentos mais relevantes foi a decisão de ampliar a atuação para toda a região, com a transição para Coletivo EPU América Latina. Essa expansão reflete uma convicção comum: é preciso fortalecer cada vez mais a atuação da sociedade civil para acompanhar, monitorar e cobrar dos Estados suas obrigações com os direitos humanos, especialmente através de coletivos nacionais!
Desafios para a implementação
O caminho rumo à efetividade dessas recomendações passa por desafios estruturais que atravessam a região:
Vontade política e institucional: mesmo com compromissos internacionais, a implementação depende de decisões internas, da alocação de recursos e da ação estatal. Em muitos casos, os mecanismos permanecem subutilizados ou com pouca visibilidade.
Capacidade da sociedade civil e das instituições nacionais: organizações e órgãos de direitos humanos enfrentam limitações orçamentárias, de recursos humanos e de autonomia para fazer o monitoramento. Há necessidade de fortalecimento técnico, estratégico e também de financiamento.
Espaço cívico e pluralidade: a implementação das recomendações exige um ambiente onde a sociedade civil possa atuar livremente, negociar com poder público, questionar e exigir prestação de contas. A erosão desse espaço corrói a própria base da efetividade.
Interdependência entre direitos, democracia e instituições: o avanço dos direitos humanos não anda só. Democracia forte, instituições independentes e participação social ativa são condições que se reforçam mutuamente. A deterioração de qualquer uma afeta o conjunto.
Por que importa
Quando as recomendações da RPU saem do papel e se transformam em políticas concretas, há ganhos reais: violações podem ser prevenidas, pessoas que sofreram violências têm acesso à justiça, políticas públicas tornam-se mais inclusivas e a transparência institucional se fortalece.
Para isso, os próximos passos exigem mais do que compromissos, exigem cooperação regional, planejamento estratégico e vontade política. É preciso aprofundar alianças entre sociedade civil, instituições nacionais e organismos internacionais, criar mecanismos de monitoramento claros e estabelecer metas verificáveis.
O fortalecimento da RPU América Latina é um lembrete de que, mesmo diante de retrocessos, a força da sociedade civil organizada segue sendo o motor da democracia e a principal garantia de que os direitos humanos não se tornem promessas vazias.