O IDDH participou, nos dias 18 e 19, do VII Seminário do Sistema Prisional, Segurança Pública e Cidadania, com o tema “A Condição da Mulher no Cárcere e na Execução Penal”, organizado pelo Conselho Carcerário de Joinville.
Com o objetivo de contribuir com a cultura da paz e dos direitos humanos, o evento reuniu conselheiros/as, lideranças comunitárias, movimentos sociais, professores/as, pesquisadores/as, estudantes e operadores/as do Direito para refletirem sobre a condição das mulheres sujeitas ao sistema prisional.
Nas palestras foram evidenciadas as especificidades das mulheres e, consequentemente, a necessidade de um olhar atendo à perspectiva de gênero. Embora homens e mulheres possam estar sujeitos às vulnerabilidades decorrentes do sistema, as especificidades das mulheres acarretam violações de seus direitos, em especial os sexuais e reprodutivos.
Dessa forma, para que cessem essas violações, foi apontada a necessidade de compreender o fenômeno do encarceramento das mulheres de maneira ampla, em um contexto social machista e patriarcal. O papel das mulheres, nessa cultura, é bem determinado: são relegadas ao espaço privado e se tornar uma “criminosa” é romper duplamente: com as regras sociais e jurídicas. Por isso, compreender os motivos que levam às mulheres ao tráfico de drogas e o papel que elas desempenham nele, por exemplo, é fundamental para desconstruir os estigmas sociais.
No final do evento, os/as participantes aprovaram a Carta de Joinville, uma carta de repúdio em relação às condições de encarceramento das mulheres no estado de Santa Catarina.
Carta de Joinville
Os Conselhos da Comunidade de Santa Catarina, órgãos da execução penal instituídos pela Lei nº 7.210/84, reunidos no VII Seminário do Sistema Prisional, Segurança Pública e Cidadania, com o tema “A Condição da Mulher no Cárcere e na Execução Penal”, realizado no município de Joinville, nos dias 18 e 19 de agosto, vêm a público manifestar seu REPÚDIO em relação às condições de encarceramento das mulheres no estado de Santa Catarina.
Embora se reconheçam as condições de vulnerabilidade as quais todas as pessoas sujeitas ao encarceramento possam estar expostas, a atenção a situação das mulheres se justifica pelas suas especificidades e, especialmente, dentro de um contexto social mais amplo de discriminação contra as mulheres. É justamente por isso que, no âmbito internacional, existem normativas destinadas especialmente às mulheres privadas de liberdade, como as Regras de Bangkok. Em uma sociedade patriarcal e machista, a opressão contra as mulheres está presente tanto nos espaços privados quanto públicos, e se refletem em práticas institucionalizadas que reproduzem estereótipos e opressão.
As violações de direitos perpetradas pelo Estado contra as pessoas privadas de liberdade têm sido reiteradamente denunciadas e, quando se trata das mulheres, direitos específicos são violados, como os sexuais e reprodutivos. Os estabelecimentos prisionais, pensados por homens e para homens, têm violado a dignidade das mulheres com revistas vexatórias, partos realizados com mulheres algemadas, ausência de pré-natal e berçários, falta de fornecimento de métodos contraceptivos, travestis e transexuais em alas masculinas. Essas situações ilustram a inadequação dos estabelecimentos prisionais para que os direitos das mulheres possam ser respeitados, tornando-as novamente vulneráveis.
O perfil das mulheres encarceradas no Brasil é marcado pela vulnerabilidade e exclusão social: são jovens, de baixa renda e escolaridade, vítimas de violência doméstica e familiar, mães, usuárias de drogas, majoritariamente negras. A condição das mulheres no cárcere é reflexo da sua condição na sociedade, de modo que a análise sobre o fenômeno do encarceramento revela fatores de gênero, raça/etnia e classe fundamentais para que se compreendam os motivos que levam às mulheres a cometerem crimes e serem privadas de sua liberdade. Por isso:
REPUDIAMOS o descumprimento da Constituição Federal, que veda o tratamento desumano, cruel e degradante, do Código Penal e do Código de Processo Penal, que dispõem sobre o tratamento específico para as mulheres privadas de liberdade, bem como a normativa internacional, por meio das Regras de Bangkok, que reconhecem as especificidades das mulheres sujeitas ao sistema prisional;
REPUDIAMOS a ausência de políticas públicas que abordem adequadamente as vulnerabilidades decorrentes das especificidades das mulheres, decorrentes da negligência estatal, aumentando as desigualdades de gênero e violando direitos para além de limitar a liberdade;
REPUDIAMOS a ausência de políticas públicas especialmente destinadas às mulheres e que sejam voltadas à sua ressocialização, pois quando egressas do sistema prisional não são reinseridas no mercado de trabalho formal;
REPUDIAMOS a política criminal adotada que decorre de um posicionamento estatal que prioriza o encarceramento ao invés de alternativas penais diversas da prisão, inclusive previstas na legislação vigente, ignorando o contexto social e familiar das mulheres, que são muitas vezes chefes de família e responsáveis pelo sustento de todos, vulnerabilizando não só as mulheres, mas toda a família;
REPUDIAMOS a prática da tortura institucionalizada nos estabelecimentos prisionais e o encarceramento das mulheres em presídios mistos, que se mostram inadequados para as especificidades das mulheres;
Por fim, REIVINDICAMOS o fim dos estabelecimentos mistos, a formação das agentes penitenciárias em perspectiva de gênero, além do devido cumprimento da normativa nacional e internacional, a criação e implementação de políticas públicas que reconheçam as especificidades das mulheres privadas de liberdade, e o efetivo comprometimento do Estado e da sociedade com o respeito aos direitos das mulheres.
Joinville, 19 de agosto de 2016.