Brasil enfrenta grave retrocesso nas metas para o desenvolvimento sustentável, aponta Relatório Luz
Levantamento feito pela sociedade civil, com a maioria de dados oficiais, revela que o país não avançou em 95,8% das 169 metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.
No próximo dia 25 de Setembro, às 14h, o Grupo de Trabalho da Sociedade Civil para a Agenda 2030, do qual o IDDH faz parte, irá lançar o VII Relatório Luz sobre a Agenda 2030 no Brasil. O evento será no auditório do anexo I da Secretaria Geral da Presidência da República, em Brasília, e contará com representantes de Ministérios e da Sociedade Civil. (A programação segue no documento anexo).
O Relatório Luz 2023 é um documento único no país que faz uma análise do cumprimento das metas da Agenda 2030 no Brasil, tendo como base dados oficiais divulgados pelo Governo Federal. Este ano o documento foi escrito por 82 especialistas de 41 instituições, que, além da análise dos 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) no Brasil, ainda produziram mais de 160 recomendações ao Governo.
Nesta edição, o relatório mostra que 102 metas (60,35%) estão em situação de retrocesso, 14 (8,28%) ameaçadas, 16 (9,46%) estagnadas em relação ao período anterior, 29 (17,1%) com progresso insuficiente, apenas 3 (1,77%) com progresso satisfatório, 4 (2,36%) delas sem dados suficientes para classificação, sendo que 1 (0,59%) não se aplica ao Brasil.
Os capítulos desta edição trazem um compilado da situação dos ODS, consolidando um ciclo de retrocessos referente ao ano de 2022, com impactos mais profundos sobre as mulheres e meninas, população negra, povos indígenas e grupos sociais historicamente mais vulneráveis, principalmente nas regiões Norte e Nordeste. O relatório destaca os ODS que foram mais afetados pelos retrocessos, apresentando que ao lado do combate à pobreza e erradicação da fome, o avanço do desmatamento e das queimadas bateram uma sucessão de recordes.
Resumo de cada capítulo do Relatório Luz de 2023:
ODS 1 (erradicação da pobreza) – O ciclo de empobrecimento de parte significativa da população e volta do país ao Mapa da Fome, a restrição do acesso aos serviços públicos e a gestão da pandemia que levou o governo Bolsonaro a ser condenado no Tribunal Permanente dos Povos por crimes contra a humanidade foram as principais causas desses resultados.
ODS 2 (Fome Zero) – O ano de 2022 marcou um ciclo de seis anos no qual os poderes Executivo e Legislativo federais tiveram um papel desastroso em relação ao cumprimento do ODS 2 . Quase 66 milhões de pessoas (30,7% da população) viviam em insegurança alimentar moderada ou grave.
ODS 3 (Saúde e bem estar) – O orçamento de 2022 do Ministério da Saúde sofreu redução de 20%, passando dos R$ 200,6 bilhões em 2021 para R$ 160,4 bilhões. Nos dois primeiros anos da pandemia, o orçamento da Saúde foi elevado com decretos extraordinários e de calamidade pública que flexibilizaram o teto de gastos (Emenda Constitucional 95). Porém, as verbas de urgência não se repetiram em 2022, ameaçando ainda mais a qualidade e disponibilidade dos serviços de saúde no país. Embora 80,56% da população tenha tomado ao menos duas doses do imunizante contra o SARS-CoV-2 , a cobertura nacional das demais vacinas obrigatórias ficou em 67,94%, com patamar ainda menor nas Regiões Norte (63,03%) e Sul (74,21%) . Esse contexto fez com que a maioria das metas do ODS 3 estejam em retrocesso ou ameaçadas.
ODS 4 (Educação de qualidade) – Em 2022, identificamos retrocesso em seis das 10 metas deste ODS, também ameaçado pelo o Novo Ensino Médio que, segundo especialistas, instituições de classe e estudantes, rebaixa a formação básica para grupos populacionais mais vulneráveis e historicamente marginalizados (negros, mulheres, classes C, D e E e indígenas). O governo federal anunciou o fim do Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares até o fim de 2023, mas o Estado de São Paulo, por exemplo, pretende implementar programas similares. Esta e outras propostas em debate no Congresso Nacional, como nacionalização do homeschooling, ameaçam o direito à educação. Com 13 das 20 metas do Plano Nacional de Educação em retrocesso, estima-se que 90% delas não serão alcançadas em 2024.
ODS 5 (Igualdade de gênero) – Segundo relatório das Nações Unidas, a efetivação da igualdade de gênero no mundo só ocorrerá em 300 anos, se mantido o ritmo atual de políticas públicas . O Brasil é o 92° de 153 países no ranking de garantia de equidade para mulheres, tendo retrocedido ainda mais em 2022 com os efeitos da pandemia da Covid-19 e as históricas e múltiplas violências de gênero derivadas da insuficiência de políticas públicas e investimento no setor. Como na quase totalidade dos ODS, as recomendações do último Relatório Luz não foram acatadas e para encerrar o ciclo de retrocesso dos últimos anos é necessária urgência na retomada de políticas e programas ao nível ministerial para mulheres.
ODS 6 (Água limpa e saneamento) – A universalização efetiva do direito à água e ao saneamento carece de uma política de Estado, que priorize o acesso para populações marginalizadas e em situação de vulnerabilidade, que sofrem diretamente os impactos negativos da emergência climática e do racismo ambiental. A análise deste ODS indica ser urgente identificar o patamar real de déficit dos serviços – os dados disponíveis não alcançam toda a população brasileira –, e planejar respostas integradas em todo o território nacional.
O ODS 6 é fundamental para a sobrevivência do planeta e impacta diretamente nove dos dezessete Objetivos da Agenda 2030 (1, 3, 5, 7, 10, 11, 13, 14 e 15), mas retrocedeu: quatro de suas metas que estavam ameaçadas em 2020 passaram a situações de retrocesso e estagnação. No entanto, o Marco Legal de 2020 apostou no incentivo às empresas privadas como propulsoras da universalização, perspectiva que se manteve nos seis primeiros meses do governo do presidente Lula.
ODS 7 (Energia Acessível e limpa) – A crise hidro energética de 2021 afetou fortemente a população brasileira, intensificada pelos impactos econômicos da pandemia e pela inflação nos preços dos combustíveis. As medidas para contornar a questão foram a importação de insumos da Argentina e do Uruguai, o acionamento de usinas térmicas e a contratação de energia de reserva para evitar apagões no país. O primeiro Procedimento Competitivo Simplificado resultou na contratação de catorze usinas termelétricas a gás natural, a um custo muito maior que o observado em leilões anteriores, que foi repassado a consumidores e consumidoras finais por meio da Conta Escassez Hídrica, o que penalizou de forma grave a população mais pobre, agravando a desigualdade.
ODS 8 (Emprego Digno e Crescimento Econômico) – A síntese sobre a situação deste ODS poderia ser a extinção do Ministério do Trabalho pelo governo Bolsonaro, uma de suas primeiras medidas em 2019, posteriormente recriado em 2021 para acomodar o Centro. A precarização foi a marca da política governamental na última gestão federal, com a média de empregados/as sem carteira assinada subindo 14,9% entre 2021 e 2022, um recorde histórico.
ODS 9 (Indústria, inovação e infraestrutura) – O baixo crescimento da indústria nacional em 2022 (1,6%), menos de 50% alcançado em 2021 (4,5%) – relativizado pelas taxas dos dois anos anteriores –, foi insuficiente para retornar o setor industrial a níveis pré-pandemia. Colaboraram para o resultado problemas estruturais, como o baixo investimento em infraestrutura e as desigualdades regionais; a política econômica e industrial adotada durante o governo Bolsonaro; a alta inflação em 2021 (10,1%), cujo declínio para 5,8% ainda significou forte compressão ao desenvolvimento nacional; o fato do Brasil ter as maiores taxas de juros reais do mundo (13,75% ); e a redução do consumo em decorrência do desemprego (9,3%).
ODS 10 (Redução das desigualdades) – As desigualdades socioeconômicas no Brasil se ampliaram exponencialmente sob o governo Bolsonaro. As edições anteriores do Relatório Luz trazem um arcabouço de estudos e pesquisas que permitem avaliar a triste evolução dos indicadores para o desenvolvimento sustentável e a desresponsabilização do Estado brasileiro para com a Agenda 2030. Os demais capítulos desta edição também trazem um compilado do situação das ODS que consolida um ciclo de retrocessos, especialmente nas áreas afeitas aos Objetivos 1, 2, 3, 4, 5, 6, 8, 13 e 16, com impactos mais profundos sobre as mulheres e meninas, população negra, povos indígenas e grupos sociais historicamente mais vulneráveis, principalmente nas regiões Norte e Nordeste.
ODS 11 (Cidades e comunidades sustentáveis) – Com retrocesso em todas as metas avaliáveis (nove entre as dez), o panorama do ODS 11 é expressão das frágeis políticas habitacionais, de mobilidade urbana, de saneamento (ODS 6), trabalhistas (ODS 8) e climáticas (ODS 13), que se somam ao congelamento de assentamentos rurais e urbanos para populações indígenas, quilombolas e sem-terra. Os assentamentos precários e informais ou domicílios inadequados chegaram a 104.475, de acordo com o Censo 2022.
ODS 12 (Consumo e produção responsáveis) – A falta de padrões de produção e consumo responsáveis e sustentáveis fez retroceder a implementação do ODS 12. Das onze metas analisadas, apenas duas foram melhor classificadas em relação ao VI Relatório Luz. Cinco metas permaneceram no mesmo patamar (quatro delas em retrocesso), e quatro caíram de classificação em 2022, sobretudo em matéria de acesso à informação e à educação ambiental. Destaca-se a ausência de dados sobre implementação de indicadores, o que, por si só, constitui um desafio para que o país avance na implementação do ODS 12.
ODS 13 (Combate às alterações climáticas) – O governo eleito em 2022 se comprometeu a zerar o desmatamento e a degradação em todos os biomas brasileiros até 2030, a rever a Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) do país e a implementar o Acordo de Paris . Já no início de 2023, a criação do Ministério do Meio Ambiente e do Clima e a reativação dos Planos de Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia e no Cerrado (PPCDAm e PPCerrado) – recomendações dos Relatórios Luz 2021 e 2022 – indicam potenciais avanços na área. No entanto, será necessário garantir orçamento suficiente e revogar (ou não aprovar) leis desfavoráveis, assim como aprovar as que garantam a mitigação e a adaptação climática. Além disso é necessário, além de reconhecer, também punir o genocídio dos povos indigenas, o racismo ambiental e oassassinato de defensores e defensoras de direitos, único caminho para a justiça climática no Brasil.
ODS 14 (Vida debaixo d’água) – No Brasil, a reativação do Ministério da Pesca, em 2023, fez governo federal elevar os investimentos na área em 950%, construir o Plano Nacional de Pesca Artesanal em parceria com a sociedade civil e criar novas linhas de crédito para a pesca artesanal e industrial, um cenário animador. No entanto, ainda é insuficiente para alcançar suas metas até 2030. Das sete recomendações propostas no Relatório Luz 2022, seis tiveram algum nível de avanço, a saber: 1) debate no Senado Federal sobre o Marco Regulatório para a Economia Circular e Sustentável do Plástico; 2) lançamento da Aliança Brasileira pela Cultura Oceânica; 3) adesão do país ao Programa de Rastreamento de Embarcações Pesqueiras por Satélite ; 4) criação de novas linhas de créditos da Caixa Econômica Federal e da Marinha do Brasil, que em 2022 foram destinadas exclusivamente à pesca artesanal e construções de novas frotas pesqueiras para comercialização; e 5) debate sobre a cultura oceânica nos currículos escolares das cidades de Santos (SP) , Acaraú, Itarema e Camocim (CE) .
ODS 15 (Vida sobre a Terra) – O avanço do desmatamento e das queimadas bateu uma sucessão de recordes entre 2019 e o ano passado e houve ações coordenadas entre o Poder Executivo e o agronegócio predatório para flexibilizar o arcabouço legislativo que assegurava medidas de proteção à vida terrestre e impunha responsabilidades aos agentes econômicos, a ponto da Justiça Federal aceitar a denúncia do Ministério Público Federal e tornar réu por participação em esquema de exportação ilegal de madeira o ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, indiciando também o ex-presidente do Ibama, Eduardo Bim, servidores públicos e representantes do setor madeireiro.
ODS 16 (Paz, justiça e instituições fortes) – Apenas uma das 12 metas apresentou progresso, embora insuficiente (a eleição de mulheres cisgêneras e transgêneras para parlamentos nacionais) e nove delas estão em retrocesso, duas estagnadas em resultado do desmonte de instrumentos, mecanismos e instâncias de promoção de direitos sociais, ambientais e econômicos promovido pelo Executivo federal entre 2019 e 2022. Isso, aliado aos ataques às instituições democráticas, incluídas aí o Supremo Tribunal Federal e a imprensa , o aumento da fome e da pobreza (analisados nos ODS 1 e 2) e o alto desemprego (ODS 8) impactaram de forma grave este Objetivo de Desenvolvimento Sustentável.
ODS 17 (Parcerias em prol de metas) – Após uma década de estagnação econômica, retrocessos sociais e devastação ambiental e após a leitura dos capítulos anteriores deste Relatório Luz 2023, sobram evidências de que o Brasil fez pouco para alcançar os ODS. Neste sentido, vale reconhecer o esforço da sociedade civil organizada, que tem empenhado muito do seu tempo e seus parcos recursos financeiros para convencer autoridades públicas, empresas, universidades e imprensa da importância da Agenda 2030.
Link para os relatórios anteriores: https://gtagenda2030.org.br/relatorio-luz/relatorio-luz-2022/
Sobre o GT Agenda 2030
Coalizão de mais de 60 organizações brasileiras que monitoram, fomentam e incidem para a implementação dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável no país. O Brasil é um dos 193 países signatários da Agenda 2030, um pacto global assinado em 2015 nas Nações Unidas com o objetivo de diminuir as desigualdades. O Relatório Luz 2023 é um instrumento que indica caminhos, sinaliza retrocessos e alerta para a necessidade da construção de instrumentos de gestão que promovam políticas voltadas para a equidade, de forma a não deixar ninguém pra trás.