Relator da ONU cobra do Brasil avanços em justiça, verdade e reparação

Bernard Duhaime, Relator Especial da ONU sobre a promoção da verdade, justiça, reparação e garantias de não-repetição, realizou visita oficial ao Brasil nos dias 30 de março a 07 de abril. A agenda incluiu reuniões com autoridades governamentais, organizações da sociedade civil, vítimas e defensoras/es de direitos humanos em Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro.

Ao final da visita, apresentou observações preliminares em que aponta medidas tomadas nas áreas de verdade, justiça, reparação, memorialização e garantias de não repetição adotadas pelas autoridades no Brasil para enfrentar as violações de direitos humanos cometidas no período da ditadura (1964-1985).

Dentre suas observações, denunciou impunidade promovida pela interpretação da Lei de Anistia (Lei nº 6.683) de 1979, que impede a responsabilização por crimes cometidos por agentes do Estado. 

“A falta de consequências legais para os abusos do passado reforçou uma cultura de impunidade e estabeleceu condições para a repetição, permitindo que a retórica e práticas autoritárias ressurgissem no discurso político, como evidenciado na suposta tentativa de golpe de Estado de 8 de janeiro de 2023”, afirma o Relator em um dos trechos do documento.

Também aponta avanços na reparação individual e coletiva, especialmente com a retomada da Comissão de Anistia e a reabertura da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos – CEMDP, mas alerta para limitações estruturais e exclusão de grupos como indígenas, camponeses e afrodescendentes. 

Observa que a Comissão Nacional da Verdade produziu importantes achados e recomendações, muitas ainda não implementadas. Também critica a ausência de reformas no setor de segurança pública e o negacionismo histórico. Destaca a necessidade urgente de um processo abrangente de justiça de transição para prevenir novas violações de direitos humanos e fortalecer a democracia.

Já no tema da educação, o Relator destaca que a educação em direitos humanos é uma ferramenta essencial para evitar a repetição das violações cometidas durante a ditadura. O governo federal reporta que adotou políticas para incluir o ensino da ditadura nos currículos escolares, mas sua efetividade é limitada devido à autonomia dos estados e municípios, o que resulta em grande desigualdade no acesso a esse tipo de educação.

O Relator expressou preocupação com ações do governo anterior, que retirou referências à ditadura dos currículos e censurou ou criminalizou professores, acusando-os de doutrinação. Também criticou a política de escolas cívico-militares, que militarizou a gestão de algumas instituições educacionais, impondo práticas disciplinares e, em alguns casos, aulas ministradas por militares — uma política que foi formalmente encerrada, mas não revertida nas escolas afetadas.

Sobre a educação em direitos humanos nas observações do Relator, Fernanda Lapa, Diretora Executiva do IDDH destaca:

“Para nós, do IDDH, a educação em direitos humanos é um eixo transversal fundamental para a efetividade de todos os pilares da justiça de transição, pois atua na construção de uma cultura de respeito aos direitos de todas as pessoas, na preservação da memória histórica e na prevenção da repetição de violações. Ao promover o conhecimento crítico sobre um passado autoritário, especialmente entre as novas gerações, a educação fortalece os valores democráticos e contribui para combater o negacionismo e a impunidade. Por isso, deve ser uma política central e permanente, presente em todos os níveis do sistema educacional e apoiada por iniciativas de formação de professoras/es, produção de materiais didáticos e integração com ações de memória e reparação. Só assim será possível romper com o ciclo de violência institucional e garantir a não repetição”.

Por fim, o Relator ainda reforçou que o ensino da história sobre a ditadura e a educação em direitos humanos são deveres do Estado segundo os padrões internacionais e recomendou a garantia da inclusão desses conteúdos nos currículos escolares, bem como ações para impedir o ensino de versões negacionistas ou revisionistas sobre o período ditatorial.

Clique aqui para acessar o documento contendo as observações e recomendações preliminares do Relator Especial da ONU sobre a promoção da verdade, justiça, reparação e garantias de não-repetição.