IDDH apresenta na ONU situação do direito humano à Educação no Brasil

No dia 7 de abril, a Coordenadora Executiva do Instituto de Desenvolvimento e Direitos Humanos (IDDH), Fernanda Lapa, foi uma das cinco representantes da sociedade civil brasileira a apresentar, na sede da ONU, em Genebra, a situação dos direitos humanos no Brasil. O evento foi uma pré sessão para a Revisão Periódica Universal (RPU) que o Brasil passará no Conselho de Direitos Humanos da ONU no dia 5 de maio. As outras organizações participantes foram: Articulação dos Povos Indígenas no Brasil (APIB), Articulação para o Monitoramento dos Direitos Humanos no Brasil, Conectas Direitos Humanos e Sexual Rights Initiative (SRI).

O IDDH falou sobre os riscos que o direito à educação está passando na atual conjuntura no Brasil: o baixo financiamento para a educação num contexto de austeridade fiscal; o controle de conteúdos sobre gênero e diversidade nas escolas e, ainda, a falta de monitoramento do Estado Brasileiro nas suas políticas de educação em direitos humanos, uma vez que o Plano Nacional de EDH fará 15 anos em 2018 e nunca foi avaliado.

Durante a semana, Fernanda, juntamente com a coordenadora de projetos da Campanha Brasileira para o Direito à Educação, Maria Rehder, se reuniram com diplomatas de diversos países para alertar sobre essas questões e solicitar recomendações ao Brasil em temas de direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais, em especial, sobre o direito humano à educação e, um dos seus componentes, o direito à educação em direitos humanos.

O IDDH vem fazendo articulação política sobre temas de educação em direitos humanos nas instâncias internacionais nos últimos anos, tendo inclusive submetido relatórios-sombra sobre o tema à ONU para o 3º ciclo da RPU. Foram 53 relatórios enviados pela sociedade civil em 2016 (link abaixo). O IDDH participou de um sobre o tema da Igualdade de Gênero e Liberdade de Expressão na educação brasileira (situação do Programa Escola Sem Partido), conjuntamente com: Comitê Latino-americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher – CLADEM; Clínica de Direitos Humanos PUC-SP “Maria Augusta Thomaz”; Núcleo Especial de Defesa dos Direitos da Mulher – Nudem; ECOS – Comunicação e Sexualidade; Geledés – Instituto da Mulher Negra; Ação Educativa – Assessoria Pesquisa e Informação; e a deFEMde – Rede Feminista de Juristas; e, outro, foi enviado individualmente sobre a necessidade da criação de indicadores para avaliar as políticas de Educação em Direitos Humanos no Brasil.

Ver sistematização dos relatórios enviados pela sociedade civil do Brasil aqui.

Confira na íntegra a fala de Fernanda Lapa, apresentada na ONU:

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Declaração feita pela coordenadora executiva do Instituto de Desenvolvimento e Direitos Humanos – IDDH – Sra. Fernanda Lapa, na pré sessão da Revisão Periódica do Brasil na ONU, no dia 7 de abril de 2017 (Sala XXIII – Palácio da ONU, Genebra)

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Bom dia Senhoras e Senhores,

O Instituto de Desenvolvimento e Direitos Humanos (IDDH) é uma ONG, estabelecida no sul do Brasil, em 2004, para promover a educação para a cidadania e direitos humanos no Brasil.

É membro do Comitê Nacional de EDH e do Comitê Brasileiro de Direitos Humanos e Política Externa. Tem status consultivo na ONU e faz parte do Grupo de Trabalho de ONGs para a educação e aprendizagem em direitos humanos (CoNGO, Genebra).

Minha declaração hoje vai estar focada no direito à educação e, em uma de suas vertentes, que é o direito à educação em direitos humanos. Temos muitos desafios em promover, proteger e garantir direitos humanos no Brasil, alguns deles as/os senhoras/es vão ouvir hoje aqui e outros não teremos oportunidade de apresentar.

Mas, gostaria de salientar que não estamos num momento normal no Brasil. E o que mais nos preocupa atualmente é que nossa democracia, depois de mais de 30 anos, está sendo colocada em teste. Nossas instituições estão frágeis e é, exatamente num momento como esse, que a educação se torna extremamente fundamental numa sociedade. Vamos demonstrar que ela está em risco, tanto em relação à garantia do acesso e permanência de todos à educação, como também na garantia da qualidade e do conteúdo desta educação.

1º tema: O direito à educação de gênero e diversidade

Em 2015, grupos religiosos e conservadores elegeram um grande número de representantes no Congresso Nacional e isso se repetiu nos estados e municípios. Esses grupos removeram dos planos estaduais e municipais de educação objetivos e estratégias para tratar do tema de desigualdade racial, de gênero e de orientação sexual que buscavam enfrentar as discriminações existentes nas escolas.

Em alguns casos, governantes locais não apenas excluíram as políticas públicas, mas criaram leis que proíbem os professores de abordar temas como gênero e diversidade. A defesa é que a escola deve ser um lugar neutro e que não deve formar cidadãs/ãos com pensamento crítico. (Vejam o perigo disso para uma democracia já fragilizada!)

Em um estado, Alagoas, a lei foi aprovada e agora está sendo analisada no Supremo Tribunal Federal por sua inconstitucionalidade. O risco é que a falta de políticas que enfrentam o tema das desigualdades de gênero e raça na educação se reflete no aumento da violência contra mulheres, afrodescendentes, indígenas e comunidades LGBT. Temos dados do aumento dessa violência a cada ano, estou falando não apenas de preconceito/bullying, mas de homicídios.

Considerando: a) que o Estado Brasileiro não cumpriu totalmente com algumas recomendações anteriores da Revisão Periódica Universal (RPU) relativas a criar e manter políticas de enfrentamento à violência contra mulheres, indígenas, LGBT e afro-descendentes; e, b) a retirada do debate de gênero e diversidade das escolas só tende a aumentar este número, solicitamos aos Estados que façam as seguintes recomendações:

1.  Que o Brasil discuta, aprove e implemente os Parâmetros Curriculares Nacionais de Educação –  Gênero e Sexualidade para a Educação Básica e Educação Superior.
2. Que o Brasil não permita, nas 3 esferas da federação, o avanço de leis e políticas públicas que limitem a prática da educação sobre gênero e diversidade, a liberdade de opinião e o pluralismo de idéias.

2º  tema: Plano Nacional de Educação/ implementação em risco.

Estávamos falando sobre o risco de se limitar o conteúdo da educação com uma idéia equivocada e perigosa que educação pode ser neutra. Agora falarei de outro risco referente ao acesso e permanência de crianças e adultos nas escolas.
Conforme o colega já comentou, com esta emenda constitucional não haverá mais investimento nas áreas sociais por 20 anos. Mesmo com as recentes medidas de austeridade fiscal, o Brasil deve aumentar os recursos públicos para a implementação do Plano Nacional de Educação. Isso é necessário tanto para manter pessoas na escola, como para garantir a qualidade na educação.
Falo aqui em nome também da Campanha Brasileira do Direito à Educação que fez um estudo qualificado de quanto custa uma educação com qualidade e certamente não é congelando os recursos para a educação por 20 anos que nós vamos atingir este índice.
Considerando que esta preocupação já foi externada por vários órgãos internacionais:  Comitê dos Direitos da Criança; Relator Especial da Pobreza Extrema e Direitos Humanos (Philip Alston) com suporte da Relatora de Educação (Ms. Boly); a Comissão Interamericana de Direitos humanos também expressou sua preocupação com os efeitos desta emenda.

Gostaríamos de solicitar aos Estados as seguintes recomendações:

1.    Que o Brasil garanta a implementação da Lei do Plano Nacional de Educação;
2.    Que o Brasil aumente sua contribuição para a educação pública para, progressivamente, atingir 10% do PIB;
3.    Que o Brasil garanta o aumento de recursos financeiros para a educação pública.

3º  tema: Monitoramento da Educação em Direitos Humanos (EDH)

Para finalizarmos, gostaríamos de ressaltar o perigo de estarmos retirando da educação conteúdos importantes que garantem a prevenção de mais violações de direitos humanos e, para isso, acreditamos que é necessário que haja um monitoramento das políticas de Educação em Direitos Humanos no Brasil.

O Brasil tem tudo para realizar este monitoramento.
a)    Adotou o Programa Mundial de EDH, em seus 3 planos de ação;
b)    Elaborou o primeiro plano nacional de EDH da América Latina (2003);
c)    Em 2008, quando ingressou no Conselho de Direitos Humanos pela 1ª vez fez um compromisso voluntário, onde afirma que irá contribuir com o CDH para a implementação do Plano Mundial de Educação em Direitos Humanos – PMEDH;
d)    Assina a Declaração de EDH em 2011;
e)    Em 2016, passa a fazer parte da Plataforma para a Educação e Treinamento em Direitos Humanos do Conselho de Direitos Humanos;
f)    Em setembro do mesmo ano, no evento de Alto Nível sobre esta Declaração, a Secretária Nacional de Direitos Humanos confirma a prioridade do Brasil no tema e ressalta que faltam indicadores para avaliar a EDH no Brasil.

Considerando que o Estado Brasileiro sinaliza em todas essas iniciativas e em seu discurso reiterado que a Educação em Direitos Humanos é sua prioridade, MAS: a) nunca submeteu um relatório referente à implementação do PMEDH (nem na 1ª nem na 2ª fase); e, b) nunca avaliou suas políticas de EDH do Plano Nacional de EDH, que ano que vem fará 15 anos, gostaríamos de solicitar que os Estados recomendassem ao Brasil:

1.    Que o Brasil submeta os relatórios de avaliação sobre a implementação do PMEDH até o relatório de meio Período deste ciclo da RPU;
2.    Que o Brasil estabeleça indicadores e um Plano de Ação para avaliar e implementar o Plano Nacional de EDH até o final da 3ª fase do PMEDH, em 2019, e se engaje na criação destes Planos nas esferas estaduais e municipais.
3.    Que o Brasil inclua o tema de EDH nos seus outros relatórios nacionais aos comitês de tratados demonstrando sua transversalidade (educação indígena, de gênero, diversidade, ambiental, dentre outras)

Como educadora, gostaria de finalizar citando Paulo Freire,

“Conhecer é tarefa de sujeitos, não de objetos. E é como sujeito e somente enquanto sujeito, que o homem pode realmente conhecer.”

Somente com uma educação que alcance a todas/os e que tenha qualidade conseguiremos formar esse sujeito que pode conhecer, compreender e refletir o mundo. Diminuindo os recursos para a educação, retirando o debate crítico e reflexivo sobre a sociedade plural e diversa que vivemos das escolas e, ainda, não avaliando o impacto disso, não parece o caminho para fortalecer novamente nossa democracia.

Muito obrigada.