Somos RAI – Dezembro 2023

Caminhos e desafios para um advocacy efetivo

 

Entrevista com Tânia Dornellas, assessora de advocacy da Campanha Nacional pelo Direito à Educação. Integrante da Rede de Advocacy Internacional (RAI), Tânia conta sobre sua trajetória pessoal e profissional pelos Direitos Humanos, os desafios que as/os defensoras/es dessa agenda enfrentam no Brasil e no mundo, e como a leitura de cenário e da conjuntura política, associada à comunicação e mobilização popular, são fundamentais para ações bem-sucedidas de advocacy

 

IDDH: O que te faz ser uma defensora dos Direitos Humanos? 

Tânia Dornellas: A fé inabalável de que para vivermos em sociedade, a equidade, a dignidade, a justiça social, a liberdade e a paz são condições fundamentais, não negociáveis, indivisíveis e interconexas. No entanto, a história nos mostra que essas condições não são dadas, ao contrário, são fruto de luta e desconstrução de hegemonias de poder, de saberes e de comportamentos entre povos e são atravessadas por dimensões de classe, territórios, gênero, raça/cor, situação econômica, entre outros. Lutar contra as desigualdades e exclusões sociais históricas que permeiam as relações humanas e sociais é o que me move no mundo.

 

IDDH: Quais pautas você defende? 

Tânia Dornellas: A pauta que defendo é a dos Direitos Humanos, entendendo que são indivisíveis. A partir dessa premissa tenho contribuído mais diretamente com o direito à educação, os Direitos Humanos de crianças e adolescentes, o direito à saúde das pessoas com doenças raras e os Direitos Humanos dos povos do campo, das florestas e das águas.

 

IDDH: Qual a sua trajetória pessoal e profissional relacionada a essas agendas?

Tânia Dornellas: Desde 2000, quando me formei em Ciência Política (UnB), estou efetivamente envolvida nos processos históricos de luta pela garantia dos Direitos Humanos, entendidos a partir de uma perspectiva contra hegemônica. Sempre estive, no âmbito pessoal e profissional, engajada na defesa e promoção dos Direitos Humanos. Neste contexto, minha escolha profissional e, mais tarde, minha atuação junto aos movimentos sociais e sociedade civil organizada foi uma escolha política. Entendo que o caminho para um mundo com justiça social passa necessariamente pela luta contra as exclusões, as desigualdades e as formas de colonização é a articulação, mobilização e a integração de diversos atores políticos, com participação ativa nos espaços de poder, com processos formativos contínuos e com uma política de educação em Direitos Humanos que promova uma cultura de paz. 

 

IDDH: O que atualmente representa defender os Direitos Humanos no Brasil?

Tânia Dornellas: Defender Direitos Humanos no Brasil sempre foi um ato de persistência e resistência e de risco. Risco aumentado nos últimos anos, especialmente entre 2019 e 2022, em que mais de 170 defensores e defensoras de Direitos Humanos foram assassinados, destes, quase um terço eram indígenas, segundo estudo da Terra de Direitos e Justiça Global. Segundo a Anistia Internacional, somos o 4º país, dentre 156 analisados,  que mais mata defensores e defensoras de Direitos Humanos e do meio ambiente. É um cenário preocupante e que demanda do Estado ações imediatas e efetivas!

 

IDDH: O que é e como fazer advocacy nacional e internacional? Teria alguma dica para quem está começando?

Tânia Dornellas: O advocacy pode ser entendido como um conjunto de ações e táticas estrategicamente definidas e orientadas que buscam incidir, direta ou indiretamente, para a promoção, defesa e proteção de uma causa específica na arena política. A participação em espaços institucionais (conselhos, comitês, fóruns, grupos de trabalho), a elaboração de posicionamentos institucionais (notas técnicas, pareceres e outros) sobre determinado tema/causa, a participação em audiências públicas para subsidiar projetos de lei e a proposição de emendas a propostas legislativas em tramitação são alguns exemplos de ações de advocacy que buscam influenciar a agenda política, a ação/posicionamento dos tomadores de decisão e a formulação de políticas públicas. As ações de advocacy não se restringem aos poderes legislativo e executivo, mas também estão presentes no judiciário e em outros espaços de decisão. 

 

Para os que estão começando a jornada no advocacy, alguns aspectos precisam ser considerados. Como falei anteriormente, as ações são orientadas estrategicamente. Neste sentido, é importante que os players (movimentos sociais, organizações da sociedade civil organizada e outros) saibam reconhecer as possibilidades e os limites das ações de advocacy. Para tanto, é preciso conhecer e analisar o contexto político, o grau de abertura para diálogo com os diferentes atores políticos, ter um planejamento estratégico claro com visão de longo prazo, ter capacidade de elaboração de argumentos qualificados e apoiado nos marcos legais referentes ao tema tratado e à legislação do país, capacidade de diálogo com outras entidades que atuam com o mesmo tema para a construção de parcerias e alianças estratégicas.

 

É importante destacar também a importância da capacidade de mobilizar diferentes organizações com interesses comuns para fortalecer as estratégias de advocacy. A mobilização é um importante momento no advocacy, pois além de ampliar a base política e social (grupos de interesse) que advoga em prol de determinado tema ou causa, fortalece e qualifica as argumentações para a incidência direta ou indireta com os tomadores de decisão (campanhas).

 

A atuação em rede potencializa as pautas de reivindicação, as possibilidades de incidência política, de mudança nas regras do jogo político e de extensão/ampliação dos direitos reivindicados. É importante destacar que as ações de advocacy podem ocorrer em diferentes níveis: municipal, estadual, nacional (federal) e internacional. Exemplos de pautas que extrapolam o território nacional: educação, meio ambiente, saúde, direitos das mulheres, Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, entre outros.

 

IDDH: Poderia nos contar sobre alguma atividade de incidência realizada que resultou positivamente na agenda defendida por você e sua organização? O que foi a atividade e porque escolheram tal estratégia? 

Tânia Dornellas: A Campanha Nacional pelo Direito à Educação é uma rede que reúne mais de 200 organizações e movimentos em todo o país, incluindo sindicatos de professores, movimentos sociais, ONGs nacionais e internacionais, universidades, estudantes, jovens e grupos da comunidade e muitos outros cidadãos e cidadãs que acreditam que um país democrático só pode ser construído com uma educação pública e de qualidade. Essa multiplicidade de diversidade de atores políticos é uma de suas potencialidades nas ações de advocacy que realiza, pela efetivação e ampliação dos direitos educacionais para que todas as pessoas tenham garantido seu direito a uma educação pública, gratuita, laica, inclusiva e de qualidade no Brasil. Nosso foco de ação prioriza o aumento do financiamento público para a educação básica, com mais e melhor controle social de sua utilização; a valorização dos/das profissionais de educação; a ampliação e a qualificação dos processos participativos na gestão e na avaliação das políticas públicas educacionais. Para atingir esses objetivos, a Campanha trabalha por meio de sete estratégias de ação: articulação institucional; pressão sobre as autoridades; mobilização popular; formação de atores políticos; comunicação social; produção de conhecimento e justiçabilidade.

 

Um exemplo de atividade de incidência realizada foi a mobilização em prol do novo e permanente Fundeb, aprovado no Senado Federal e promulgado em 2020 na forma da Emenda à Constituição nº 108/2020 e da lei que o regulamenta de número 14.113/2020. Este foi um resultado muito importante de uma campanha de advocacy que envolveu toda a rede da Campanha, aliados e parceiros estratégicos, em um processo de construção coletiva do texto e de ações de incidência orientadas. O cenário político não era favorável, estávamos com um governo sem porosidade nenhuma para o diálogo e a participação da sociedade civil e estávamos em plena pandemia, o que impedia mobilizações presenciais e restringia a participação. A partir da leitura de cenário e da conjuntura política e social que estávamos vivendo foram definidas as estratégias e as ações orientadas de advocacy como enxurrada de ofícios e mensagens via whatsapp para os tomadores de decisão, mobilização via redes sociais, especialmente o X (ex-Twitter), vídeos e outros. 

 

IDDH: Como funciona hoje o trabalho da Campanha Nacional pelo Direito à Educação? 

Tânia Dornellas: A Campanha surgiu em 1999, impulsionada por um conjunto de organizações da sociedade civil que participaria da Cúpula Mundial de Educação em Dakar (Senegal), no ano 2000. O objetivo era somar diferentes forças políticas, priorizando ações de mobilização, pressão política e comunicação social, em favor da defesa e promoção dos direitos educacionais. Hoje é considerada a articulação mais ampla e plural no campo da educação no Brasil, constituindo-se como uma rede que articula centenas de grupos e entidades distribuídas por todo o país, incluindo comunidades escolares; movimentos sociais; sindicatos; organizações não-governamentais nacionais e internacionais; grupos universitários, estudantis, juvenis e comunitários; além de milhares de cidadãos que acreditam na construção de um país justo, democrático e sustentável por meio da oferta de uma educação pública de qualidade. A missão da Campanha é atuar pela efetivação e ampliação das políticas educacionais para que todas as pessoas tenham garantido seu direito a uma educação pública, gratuita, inclusiva, laica e de qualidade no Brasil. Gerida por uma equipe de coordenação e orientada por um comitê diretivo nacional, a Campanha também possui comitês regionais. A rede é fundadora da Campanha Global pela Educação (CGE), da Campanha Latino-Americana pelo Direito à Educação (Clade) e idealizadora e fundadora da Rede Lusófona pelo Direito à Educação (ReLus).

 

IDDH: Como foi e tem sido a experiência com a RAI? Você destacaria alguma história ou acontecimento? 

Tânia Dornellas: A Rede de Advocacy Internacional (RAI) é uma iniciativa extremamente importante para a formação de novas e novos defensores de Direitos Humanos e uma estratégia necessária de formação em advocacy, considerando os nexos entre advocacy nacional e o internacional, ampliando o conhecimento e as possibilidades de atuação ao apresentar os diferentes mecanismos de advocacy internacional.

 

Aproveito para destacar o Programa Juventude na ONU e mais especificamente a formação ONU e Juventude – Advocacy em Direitos Humanos, que tive o prazer de participar e que teve como objetivo apresentar o Sistema ONU de Direitos Humanos e a Agenda 2030 para jovens lideranças brasileiras (baixe aqui o e-book “Projetos ONU e Juventudes” com a sistematização do projeto). A oficina foi um momento de trocas riquíssimas e de fortalecimento das potencialidades locais para a atuação em seus territórios na implementação da Agenda 2030.