#8demarço – Mulheres e a busca por refúgio: uma jornada de violações (Por Tatiana Goulart)

Segundo o último relatório das Nações Unidas referente às movimentações migratórias globais, somente no ano de 2014, 8,3 milhões de pessoas deslocaram-se de seus países por motivos de perseguição religiosa, política, pertencimento a algum grupo social, raça ou nacionalidade, ou por seu país estar sendo alvo de violações em massa de direitos humanos. Estes seres humanos, fugitivos de sua própria vida e de tudo que conheciam, são denominados refugiados.

Com este número expressivo de deslocados em 2014, somam-se ao todo 59,2 milhões de refugiadas e refugiados pelo mundo. Para saírem de seus países e chegarem a um país seguro, estas pessoas enfrentam inúmeras barreiras e violações de direitos. Suas vidas muitas vezes dependem de contrabandistas, de soldados da marinha de países costeiros, e de funcionários públicos dos países receptores. E durante essa jornada, quem está mais vulnerável a abusos de todos os tipos são as mulheres e as crianças.

De acordo com o relatório de janeiro de 2016, feito pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), em parceria com o Fundo de Populações das Nações Unidas (UNFPA) e a Comissão para

Mulheres Refugiadas (WRC), meninas e mulheres estão sendo expostas à violência sexual e de gênero tanto nos países de origem e destino, quanto durante a viagem clandestina de um país ao outro. Algumas afirmam que foram forçadas a manter relações sexuais com contrabandistas como meio de diminuir os custos da viagem ou de esperarem menos tempo para viajar. O ACNUR registrou também casos de crianças que se prostituem para pagar sua viagem a contrabandistas ou porque foram assaltadas.

Essas mulheres e meninas muitas vezes não fazem a denúncia do crime sexual para que a viagem não atrase ou por medo deserem consideradas “desonrosas” perante seus familiares homens, segundo a Anistia Internacional. Desta forma, sem denunciar seus agressores, e nem contar o que aconteceu a alguém, elas não recebem ajuda médica de qualquer tipo, e seus agressores continuam impunes.

Segundo a Anistia Internacional, comumente a mulher carrega o dinheiro porque os homens pensam que ela não será assaltada. Mas não é o que acontece, muito pelo contrário: há casos em que refugiadas tiveram suas gargantas cortadas para que pudessem pegar seu dinheiro. Quando o dinheiro dessas mulheres é roubado, elas não têm como continuar sua viagem. Dessa forma, apelam para qualquer coisa, pois têm que sair do país em trânsito (país ou países entre o país de origem e o país de destino) dentro de 72 horas. É nessa hora que elas se tornam vítimas de tráfico humano, de prostituição, de tráfico de drogas, se sujeitando a todo tipo de perversidade.

Mulheres que imigram sozinhas estão ainda mais em situação de risco. Em muitas casas de recepção de países em trânsito, homens e mulheres têm de dormir no mesmo quarto. Devido a este fato, muitas mulheres preferem dormir do lado de fora, no frio, porque julgam mais seguro do que dentro do quarto. Outro cômodo que têm que dividir é o banheiro, e para não ter que usá-lo, muitas deixam de comer ou beber.

Elas sabem que é muito mais difícil ser uma mulher refugiada do que um homem refugiado. Além de terem que cuidar delas mesmas, muitas vezes têm que cuidar de seus filhos. “Os homens só tem que cuidar de si mesmos”, contou uma refugiada a um repórter da Anistia Internacional, na Macedônia. A organização não-governamental afirma que a Europa está falhando em fornecer proteção básica a essas mulheres.

https://www.flickr.com/photos/13476480@N07/17065638710/
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De forma a aliviar essas questões, a sociedade civil faz um trabalho fundamental. A Women’s Refugee Comission opera desde 1989 analisando as necessidades das refugiadas de inúmeros países, e advogando por programas e políticas que coloquem em prática a solução para essas necessidades. Outra organização que atua na área é a Women for Refugee Women, que trabalha empoderando mulheres que procuraram por refúgio no Reino Unido, dando-lhes a oportunidade de fazerem advocacy ao falarem de suas experiências para executores de políticas públicas e para a mídia. Já o ACNUR trabalha diretamente com autoridades dos países de destino para que estes garantam o acesso à informação sobre procedimentos legais e reforce a identificação de pessoas com necessidades específicas – categoria na qual as mulheres se encaixam – e as encaminham para os serviços competentes, além de prestar apoio psicossocial e fortalecer lugares seguros e adequados de recepção para meninas e mulheres.

 

 

Apesar de tais iniciativas por parte da sociedade civil e de agências intergovernamentais, ainda falta muita assistência e atenção especial às mulheres refugiadas. O tema refúgio já traz muitas controvérsias e polêmicas por si só. Questões de segurança nacional, economia e fronteiras geram discussão e intensificam movimentos contrários e a favor desses novos imigrantes. Por mais que estas questões sejam importantes, não se podem fechar fronteiras para pessoas que estão expostas a inúmeras violações de direitos e sujeitas à violência de todos os tipos.

Negar atenção especial às mulheres refugiadas é negar a sua condição de sujeito de direito. É tratá-las como qualquer coisa que não um ser humano. É impedi-las de exercerem sua autonomia e seu poder sobre o próprio corpo, é retirar a possibilidade de serem saudáveis e é expô-las a ações que futuramente representarão traumas que dificilmente serão esquecidos.

A mulher refugiada busca a manutenção da vida, seja da sua ou de sua família, nutrindo e cuidando. Ela permanece forte, faz tudo o que tem em seu alcance e mais um pouco, passa por coisas que muitas e muitos jamais teriam o fôlego de passar, só para ter uma chance de viver sem o perigo iminente de uma bomba cair sob a sua cabeça ou de seus filhos e filhas. A mulher refugiada é, sobretudo, corajosa e merece ter sua dignidade preservada. Negar os direitos e cuidados devidos e a aceitação da mulher refugiada no país receptor é, portanto, negar a força de vida que ainda existe em um planeta que está sangrando.

 

Tatiana04

Por Tatiana de Andrade Goulart
Assistente de Projetos do IDDH – Graduada em Relações Internacionais pela Universidade Federal de Santa Catarina