Entrevista: professor Dalmo Dallari

Professor Dalmo Dallari
Professor Dalmo Dallari

O professor Dalmo Dallari é o palestrante da abertura do 9º Curso Anual de Direitos Humanos (CADH) promovido pelo IDDH. Ele traz para o evento o tema Defensores dos Direitos Humanos.  E este foi também um dos assuntos abordados por ele em nossa entrevista.  Acompanhe.

Como o senhor vê o atual cenário da defesa dos direitos humanos?

O que percebemos é que existe é uma boa dose de egoísmo, tem muita gente que só se preocupa com o seu direito. Principalmente quando se trata de destinar recursos, fazer alguma coisa em favor dos necessitados, para quem não tem acesso a estes meios, e isto é considerado um desperdício de dinheiro público.

Falta, portanto, este tipo de solidariedade, o reconhecimento do que está na declaração universal dos direitos humanos, de que todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. Para isto ter efetividade é preciso que aconteça na prática. Então daí a necessidade da luta constante pelos direitos humanos para que ninguém seja exterminado ou marginalizado, e sim para que todos tenham efetivamente acesso aos seus direitos fundamentais.

O que ainda falta para que seja efetivamente respeitados esses direitos?

Seria mais ou menos um problema da preparação técnica mas também da conscientização. A proposta que eu venho fazendo há anos é que se tenha, desde o curso básico [ensino fundamenta], uma disciplina que poderia ser chamada de Introdução à Cidadania. Daí as pessoas teriam a consciência despertada para o valor do outro ser humano, para a existência ética e social da solidariedade, da fraternidade. Portanto, a introdução a defesa dos direitos humanos deve começar lá trás, cedo, a partir da formação de uma consciência e de um estímulo a ser solidário e fraterno. É dessa maneira que começa e depois seguirá, necessariamente, a preparação ética numa área em que a pessoa queira atuar. Mas aí a exigência primeira é esta consciência dos direitos humanos como valor e da obrigação ética e jurídica de solidariedade.

Como isto poderia ser inserido nas escolas?

Nós já tivemos no Brasil uma disciplina chamada Educação Moral e Cívica que poderia ser o começo deste trabalho de promoção dos direitos humanos, mas foi completamente desvirtuada e passou a ser um elogio ao governo e as classes dominantes. Por causa disto é preciso repor a disciplina de maneira correta e que seja uma introdução a cidadania. A começar pelo ensinamento sobre a natureza associativa dos seres humanos. Nenhum ser humano existe sozinho, todos dependem de todos. Então começa por aí. E a partir desta consciência da convivência necessária prosseguindo com ensinamentos pra que essa convivência seja solidária, seja uma troca de apoio para que cada um e todos possam efetivamente ter acesso aos seus direitos.

E em relação aos movimentos de defesa dos direitos humanos no Brasil, como está atualmente?

Infelizmente a nossa grande imprensa é muito vinculada aos interesses empresariais e por essa razão ela distorce e desencoraja, apresenta o país como sendo ponto de ideias nada positivas quando na verdade muita coisa boa e interessante está acontecendo, há muitos movimentos sociais, que não são apenas exibicionismo ou manifestações típicas de interesse imediato. Existe realmente em algumas cidades grupos que estão trabalhando pelos direitos humanos. E isto deveria ser mais dito, mais ressaltado porque servirá de exemplo e símbolo para que haja um empenho maior de todos na efetivação dos direitos humanos.

Quais as principais mudanças na defesa dos direitos humanos da época que o senhor começou a atuar até os dias de hoje?

Na verdade quando começamos a falar em direitos humanos no Brasil ainda tínhamos a ditadura militar empresarial, produto do golpe de 1964. Eu mesmo tive uma experiência pessoal, de que falar em direitos humanos era subversivo, quase criminoso. Eu fui preso, sofri violência, tive que comparecer ao exército em São Paulo para dar explicações. Precisei esclarecer ao militar que o movimento não era nada subversivo e, sim, que falar de direitos humanos era falar dos direitos fundamentais da pessoa humana sem nenhuma pregação política.

Então nós já tivemos nessa situação em que a simples referência aos direitos humanos era considerada criminosa. O que existe hoje são resistências ao tema. Mais isso vem muito mais de pessoas preocupadas com os seus interesses pessoais, a preservação do seus privilégios, e por isto não querem que falem de direitos humanos. Mas na verdade, a grande resistência, a resistência perigosa já foi superada. Então hoje está mais fácil desenvolver esse trabalho.

É possível identificar no nosso país quem tem os direitos mais violados?

Nós temos grande parcela no Brasil de discriminações, previlégios sociais, há um peso ainda social, mas isto tudo esta sendo superado. Felizmente está aumentando no Brasil o número de pessoas que tem essa consciência de direitos e que tem respeito pelos direitos pessoais. Felizmente estamos no bom caminho.

Como o senhor vê a efetividade de organizações de direitos humanos internacionais, como, por exemplo, a ONU?

O que eu digo, e já constatei isto, é que nós estamos caminhando para a universalização dos direitos. Há algum tempo, de acordo com vários professores, a ONU tem dado a sua contribuição também, ainda que se espere, as vezes, uma ação mais efetiva do órgão. Mas o mais importante é que a relação entre os povos está crescendo, e também esse conhecimento de todos sobre todos e o espírito de solidariedade.

Por exemplo, na China e no Japão, há algumas décadas se dizia que que direitos humanos era uma concepção ocidental, o que, felizmente, está superado. Eu mesmo tive oportunidade de ver nos dois países iniciativas importantes dentro da promoção dos direito humanos superando esses preconceitos e resistências tradicionais. Então está havendo efetivamente a universalização dos direitos.

O senhor é otimista em relação ao futuro?

Eu tenho visto que há efetivos avanços então aquilo que vinhamos pregando há muito tempo, a busca por universalidade dos direitos humanos, está caminhando. É claro que há muito o que fazer ainda, muita resistência em certos lugares, a gente sabe disto, ainda tem teias enormes de discriminações. Além de uma excessiva importância do fator econômico, a prevalência dos interesses individuais, mas muito coisa já está superada, felizmente. Então a conclusão é positiva, os direitos humanos estão avançando no mundo inteiro.