#8demarço – Um convite à empatia: precisamos falar sobre mulheres trans (Por Jonathan Francisco)

Sendo um homem cis, é difícil falar sobre as dificuldades das mulheres trans. Ainda mais difícil é saber que o Brasil é o país que mais mata travestis e transexuais no mundo, onde a expectativa de vida é de 33 anos.

Não posso falar por elas, nem vou, mas posso (nós podemos) praticar a empatia.
Como seria se identificar fora dos padrões de gênero? Como seria se identificar com um gênero diferente daquele declarado quando nascemos?
Não sei, mas baseado nas experiências que ouvi, li e vi, posso imaginar.


Eles vão falar do teu cabelo, da tua roupa e da pessoa para quem tu dás a mão. Eles vão falar até não dar mais, vão te diminuir à pó e se tiveres força para escapar desse ciclo cruel e sistemático, vão dizer que tu és demais, muito além do que deverias, vão te por “no teu lugar”.

Vão te dizer o que e quando falar. Vão querer definir quem tu és e te transformar num órgão sexual. Vão definir quem tu és quando fores apenas um feto, e quando nasceres, terás um futuro definido. Um marido. Uma casa. Filhos. Vê se aprendes logo a fazer comida.

Tua vida vai ser bem difícil, serás menos, se tua identidade de gênero for diferente daquela pré-estabelecida e convencionada, imaginas? Vão te negar tudo. Vão te proibir o mundo.

Vão te culpar, te reduzir e definir tua orientação sexual, mas não aceitarão tua identidade, não conseguem respeitar quem tu és.

Se tu não parares com isso, vais sair de casa. Saiu de casa, vais morar onde? Na rua? E a escola? Que escola? E o banheiro? Qual banheiro?

O nome, que nome? Mas não estará escrito isso, não poderão aceitar, te tratarão como senhor. Claro que é senhor, dirão, o documento não mente, mas tu, sim.

Vais querer fazer cirurgia de redesignação sexual para adequar teu corpo ao padrão binário de gênero estabelecido. Vai ser negado, se for aceito será muito demorado, árduo e dolorido.

Vais querer amar, mas será negado. Em um mundo com padrões tão definidos e com consequências para quem vive aquém desses padrões, amar é pedir demais, amar é um ato de coragem.

Viver é um ato de coragem.

Vais querer trabalhar, e ainda que consigas sobreviver ao machismo e a transfobia no espaço universitário e te qualifiques profissionalmente, tua única oportunidade será na rua, das noites amargas saíra teu sustento.

Eventualmente acabará torturada, espancada e morta. Depois de assassinada, vão fazer de tudo para não ser considerado transfobia.

E a mídia? Te tratará pelo teu nome de registro, porque de fato a “justiça” demorou demais para te autorizar a usar o nome social nos documentos oficiais. Vão te responsabilizar.

Morta duas vezes.


Essa não é a história de todas as mulheres trans, mas, eventualmente, todas estão sujeitas a isso só por serem quem são.trans

Na semana em que se comemora o dia internacional das mulheres, é preciso reconhecer as vitórias alcançadas até então, sem esquecer do que ainda se tem para conquistar.

É preciso reconhecer a invisibilidade trans. É necessário que estas mulheres que sofrem com o machismo e transfobia de todos os lados sejam ouvidas. Que não faltem escolas, trabalho, saúde e nem justiça. Que sejam respeitadas como as mulheres que são, que seus nomes não sejam mais negados.

Que nossas atitudes mudem, ao invés de nossas palavras. Que nenhuma mulher tenha sua voz silenciada, sua roupa medida ou sua identidade desrespeitada.

Que os feminismos alcancem seu espaço de direito.

Que nada nos defina.

Trans-lúcida, por onde passa toda a luz.

JonathanPor Jonathan Francisco

Estagiário do IDDH – Graduando em Direito da Universidade da Região de Joinville e membro da Clínica de Direitos Humanos da mesma universidade.